ARQUIVO Mês do ambiente do Expresso 2013

Moreira da Silva quer esverdear todas as políticas públicas

22 novembro 2013 15:26

Carla Tomás, Nicolau Santos e Virgílio Azevedo

alberto frias

A eficiência energética, a valorização económica dos ecossistemas e da biodiversidade, são as grandes prioridades definidas pelo ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, em entrevista ao Expresso.

22 novembro 2013 15:26

Carla Tomás, Nicolau Santos e Virgílio Azevedo

Jorge Moreira da Silva assumiu a pasta do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia este verão, depois de o Governo ter constatado que o modelo de agregação com a Agricultura não funcionava. Entre as suas prioridades estão a eficiência energética e a valorização económica dos ecossistemas e da biodiversidade nacionais.

O facto de ser vice-presidente do PSD dá ao Ministério do Ambiente mais peso político no Governo? O que pode dar peso a este Ministério é a capacidade 'para se meter na casa dos outros'. O Ambiente tem uma natureza transversal. O meu peso no Governo dependerá da capacidade de gerar uma agenda de economia verde, de criação de valor a partir dos nossos recursos naturais e da capacidade para esverdear todas as políticas públicas.

O orçamento do Ministério do Ambiente é dos poucos que sobe... Também teve um corte nas despesas de funcionamento, mas há um aumento porque houve uma reclassificação das despesas com as sociedades Polis. Todos teremos de ser mais eficientes.

Isso vem ao encontro dos objetivos da reforma do Estado? Sim. Por exemplo, estamos a transferir os aproveitamentos hidráulicos, agora geridos pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), para as associações de utilizadores evitando um conflito de interesse. Porque a APA não pode ser simultaneamente gestora das infraestruturas, reguladora e fiscalizadora. Há um ganho orçamental e um ganho na clarificação das funções do Estado. Queremos ir mais longe nas metas europeias e chegar a 30% de redução de consumo de energia. Portugal tem um consumo de energia excessivo e ineficiente.

Portugal está em vias de atingir 31% de produção de energia renovável, mas na eficiência energética estamos mal. Estamos mal porque, muitas vezes, reduzimos a energia à eletricidade, quando esta é apenas 25% do consumo final. Temos 50% da produção renovável, mas isso não nos resolve a dependência energética do exterior, porque esta está nos outros 75%, no petróleo, gás natural e transportes. Todos os anos importamos €7 mil a €10 mil milhões em combustíveis fósseis. É um problema ambiental, de equilíbrio das contas públicas e de ineficiência de recursos. A aposta na eficiência energética deve ser a grande prioridade.

"Temos um potencial de €3 mil milhões de impostos verdes"

Que mais 'esverdear' está previsto no guião da reforma do Estado? A OCDE e a Comissão Europeia dizem que Portugal tem um potencial de €3 mil milhões de impostos verdes por ano, que podem substituir impostos sobre as empresas e trabalhadores. Queremos dizer às pessoas que comprar verde é um mecanismo de poupança e não um luxo. E produzir verde é uma vantagem competitiva. Vamos constituir uma comissão para a reforma da fiscalidade verde. e estimular os objetivos deste modelo de desenvolvimento.

Portugal defendeu no Conselho Europeu um prazo para interligar as redes energéticas europeias. Esta proposta poderá ser adotada pela UE? Tenho-me empenhado nessa vertente que nos permite exportar energia renovável. A UE deve criar condições para, no debate sobre alterações climáticas, encontrar um sucessor do Protocolo de Quioto e poder novamente liderar pelo exemplo. Há um potencial de duplicação dos empregos verdes na Europa nos próximos dez anos.

O que acha das reações das empresas públicas chinesas, que estão na EDP e REN, e da Galp à contribuição extraordinária sobre o sector energético? É normal que manifestem desconforto. Mas esta medida é indispensável para o esforço de equidade e de justiça. Estas empresas devem ser convocadas para um esforço extraordinário de €150 milhões de euros para o Orçamento do Estado de 2014. E também ganham com a descida do IRC e a perspetiva do rating da República subir.

Como olha para o aligeirar do processo de avaliação de impacte ambiental? Conseguimos criar condições que correspondem aos objetivos da proteção ambiental e da competitividade. Assunção Cristas e Álvaro Santos Pereira conseguiram reduzir para 50% os tempos de avaliação de impacte ambiental (AIA). Há projetos que terão 10 dias, outros 20, outros 100 dias.

Esses tempos asseguram o cumprimento das regras ambientais? A avaliação de impacte ambiental tem regras muito estritas da CE... Procuramos respeitar os prazos definidos.

Há mais de 100 novas concessões mineiras de prospeção em curso, com impactes ambientais. Há um potencial nesta área que pode ir até 1% do PIB, mas não houve nenhuma mina nova nos últimos 32 anos. Existem 107 contratos de prospeção, com um investimento entre 160 a 200 milhões de euros. Haverá uma avaliação preliminar estratégica antes dos concursos. Quero evitar os problemas que tivemos nas barragens ou nas eólicas, ao fazer uma avaliação ambiental a jusante da atribuição da exploração.

Se o plano nacional de barragens, aprovado em 2007, lhe caísse agora na mesa, como reagiria? É fácil falar do tempo dos outros, sobretudo quando sabemos que existe uma redução do consumo de energia em relação àquilo que se esperava. Das oito barragens apenas uma foi iniciada -Foz Tua. Ganharíamos se tivéssemos aplicado uma metodologia como a que vamos aplicar à área das minas.

"O grande debate sobre a água não passa pela propriedade"

O que vai acontecer aos preços da água com a reestruturação em curso? O grande debate sobre a água não passa pela propriedade, mas sim pela disparidade tarifária, pelas dívidas dos municípios, que chegam quase a ¤600 milhões; pelo facto de as tarifas não cobrirem os custos; ou pela fragmentação (500 entidades) que impede economias de escala e de gama. Estou concentrado na agregação dos 19 sistemas em alta em apenas quatro, porque assim criamos condições para uma harmonização tarifária e redução de custos. Isto deve ser feito a par com o reforço do regulador e a sua independência.

Como fica a concessão a privados? Só no final das agregações e integrações é que tomaremos uma decisão sobre a eventual concessão de alguns dos sistemas. É uma possibilidade e não uma inevitabilidade. Imaginem que no final deste processo temos quatro empresas com um nível de sustentabilidade económico-financeira como o da EPAL. Por que razão haveremos de tornar inevitável a concessão?

Na privatização da EGF (resíduos) não se está a pôr o carro à frente dos bois, uma vez que falta o Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos 2020? Pelo contrário. Ter um plano com metas, com objetivos e informação sobre o regulamento tarifário é indispensável para a privatização.

Atualmente 60% do lixo vão para aterro. O Plano vai mais longe nas metas? Queremos ter só 10% a 15% de deposição em aterro; reduzir os resíduos 35% em relação ao que estava nos inventários; e atingir metas de 50% na reutilização e reciclagem. Mas atribuímos metas diferenciadas em função das capacidades de cada operador, não fazendo tábua rasa dos investimentos feitos.

Isso leva a que empresas como a Valorsul e a Lipor (as que mais rentabilizam o lixo) sejam as mais apetecíveis? A EGF vai ser privatizada no seu todo e não sistema a sistema. A vantagem é a de assegurarmos que esta diferença nas metas não prejudica o valor económico de cada sistema.

Já têm interessados? Há mais de meia dúzia de potenciais interessados, na sua maioria internacionais, o que cria algumas expectativas.

"A reabilitação urbana tem sido o parente pobre da construção"

Estão a rever as leis de base dos solos, do ordenamento e do urbanismo? Sim, temos muitos planos, mas isso não significa que tenhamos um bom planeamento, em especial quando estes não comunicam entre si. A Lei de Base dos Solos tinha 40 anos e a do ordenamento do território 15 anos. Se utilizássemos todos os solos urbanos e urbanizáveis dos nossos PDM teríamos um país para 40 milhões de habitantes. Por outro lado, a reabilitação urbana tem permanecido o parente pobre da construção. Portugal tem níveis muito inferiores (6,5%) aos da UE (37%) na reabilitação urbana.

O que propõem? Os municípios terão um prazo de três anos para integrarem no PDM as regras dos outros planos: da orla costeira, parques naturais... Se não o fizerem, ficarão impedidos de aceder a financiamento comunitário e a subsídios públicos. Esta lei de bases também acaba com o solo urbanizável. Passamos apenas a ter solo urbano e solo rústico. Paralelamente são criadas novas regras de classificação do solo urbano: apenas se os valores naturais permitirem, se o PDM o prever e se houver viabilidade económica e financeira que integre os custos das infraestruturas, da sua gestão e os equipamentos sociais necessários. Automaticamente, a especulação baixa significativamente.

Como reagiram os autarcas? A Associação Nacional de Municípios teve uma reação muito crítica. Mas não desistirei, porque acredito que traz vantagens para os municípios.

Os municípios localizados em parques naturais terão as mesmas regras? Temos de criar mecanismos, no âmbito do regime geral das infrações tributárias, para que esses municípios sejam remunerados pelos serviços prestados.

Isso é inovador a nível europeu? Um país com uma riqueza tão grande em biodiversidade deve ter associado à sua proteção um benefício económico. E isto deve ser mensurado. Vamos avançar com a iniciativa TEEB (The Economics of Ecosystems and Biodiversity), em conjunto com a ONU, para avaliar o valor económico dos serviços destes ecossistemas e encontrar uma forma de a UE os remunerar. Portugal é único país do sul da UE a avançar e é o que tem maior área de Rede Natura e o património de biodiversidade mais elevado. Vamos também apostar na valorização da marca dos nossos parques naturais, e comercializar os seus produtos agrícolas e turísticos.

Paradoxalmente, os nossos parques naturais têm estado em total abandono. Como vai compatibilizar esta realidade com o que acabou de defender? Temos beneficiado da circunstância de mantermos o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) articulado entre os ministérios do Ambiente e da Agricultura, o que nos permite superar alguns constrangimentos financeiros e de recursos humanos, com equipas que tratam da conservação da natureza e da floresta.

E essa junção tem sido eficaz? Dois anos é um período muito curto para uma alteração tão grande como a que resulta da junção da autoridade florestal e do ICN.

"Não sou dono do processo autárquico"

Quase dois anos depois de lhe terem retirado o convite, como encarou ser convidado para a pasta do Ambiente? Não se tratou de um desconvite. Foi uma situação normal que resultou da negociação entre os dois partidos do Governo. À época, foi publica e notória aminha discordância com a junção Ambiente e Agricultura, defendendo uma que juntasse Ambiente, Território e Energia. Da minha ausência da formação inicial não resultou uma redução do meu empenhamento cívico e político. No verão de 2011, fundei o think--tank Plataforma para o Crescimento Sustentável, que produziu o Relatório "Uma Visão pós-troika" e, em 2012, aceitei ser o primeiro vice-presidente e coordenador permanente do PSD, tendo para isso abandonado o lugar de diretor nas Nações Unidas.

Foi responsável pela preparação das eleições autárquicas. Os resultados obtidos pelo PSD eram inevitáveis? Sabíamos que estas eleições seriam muito difíceis para o PSD, não apenas por estarmos no Governo, mas porque tínhamos de renovar mais de 60% dos nossos 139 presidentes de Câmara, que não podiam recandidatar-se. Fui criticado por não ter uma intervenção centralista, mas essa foi uma opção de raiz. Se as comissões políticas concelhias e distritais não escolherem os candidatos autárquicos, qual é a sua verdadeira vocação? Ser responsável pela condução do processo autárquico não me tornou dono dele. E, considerando-me responsável pelos resultados das eleições, sei que as escolhas foram muito participadas e articuladas entre concelhias, distritais e a Direção Nacional.

Uma responsabilidade partilhada... Partilhada como facilitador. A Direção Nacional deve, em eleições locais, criar condições para que os melhores candidatos sejam escolhidos, resolver problemas, estabelecer pontes, gerar compromissos. Estes seriam os primeiros autarcas pós-troika e era importante redefinir um novo modelo de responsabilidade orçamental articulada com justiça social, desenvolvimento territorial, eco-inovação, empreendedorismo.Há uma nova geração de autarcas, de vários partidos, e é importante que os fundos comunitários sejam orientados para um novo modelo de desenvolvimento, onde o poder local tem um papel cada vez mais importante.

Qual deve ser a posição do Governo se a convergência de pensões entre os sectores público e privado não passar no Tribunal Constitucional? O Governo tem procurado soluções num quadro de equidade para respeitar metas orçamentais muito exigentes. A meta do défice para 2014 é de 4%. Várias opções foram tentadas, algumas foram travadas pelo Tribunal Constitucional. O Governo teve sempre que encontrar uma alternativa. Não vale a pena pensar em cenários, porque isso seria partir do pressuposto que o Governo não tinha feito as escolhas mais ponderadas e judiciosas. E esse não foi o caso. Houve uma avaliação das medidas que poderiam corresponder a este princípio de consolidação orçamental, equidade e justiça social. E sabendo que são exigentes, houve o cuidado de proteger os salários e as pensões mais baixos.

Texto publicado na edição do Expresso de 2 de novembro de 2013