ARQUIVO Mês do ambiente do Expresso 2011

Anticiclone dos Açores estragou o verão

6 setembro 2011 9:00

Virgílio Azevedo (www.expresso.pt)

Clima. A grande variação climática do país dificulta as previsões, mas fomos castigados com um verão de vento, frio e chuva, depois de dois meses (abril e maio) dos mais quentes de sempre.

6 setembro 2011 9:00

Virgílio Azevedo (www.expresso.pt)

Mais uma vez se prova que a nossa memória é curta quando se trata de meteorologia. É o que podemos concluir dos resultados provisórios fornecidos ao Expresso pelo Instituto de Meteorologia (IM), relativos à análise climática do verão no Continente. São uma verdadeira surpresa, contrastante com a ideia generalizada de que foi ventoso e pouco mais do que ameno.

A começar pela temperatura média no chamado período do verão climatológico - junho, julho e agosto -, que ficou acima dos valores registados em três anos da década passada (2002, 2007 e 2008), "tendo ocorrido períodos com persistência de temperaturas elevadas, que atingiram em alguns locais valores superiores a 40 graus", afirma a análise do IM.

Se olharmos apenas para o mês de agosto, as anomalias verificadas nos valores médios das temperaturas máxima, média e mínima do ar no Continente são ridículas, por comparação com o período de referência de 1971-2000: +0,11, +0,09 e +0,06 graus, respetivamente. Mas então não se passou nada de anormal neste verão, apesar dos ventos fortes que invadiram as praias e as esplanadas, do sol tapado por nuvens cinzentas e das chuvadas de agosto?

Claro que se passou, e o grande culpado foi o anticiclone dos Açores, cujas características, em especial a intensidade e a posição, "condicionam fortemente a circulação atmosférica com interesse relevante nas condições meteorológicas do nosso país", afirma a análise do IM.

Ar mais frio e húmido

Vanda Cabrinha, especialista da Divisão de Observação Meteorológica e Clima deste instituto, explica que "em condições médias de verão o anticiclone teria o seu núcleo localizado a norte dos Açores, mas esteve situado nos meses de junho, julho e agosto próximo ou ligeiramente a sul deste arquipélago". Esta situação deu origem, no Continente, "a uma grande variabilidade do clima", com dias de chuva e temperaturas abaixo do normal devido ao trajeto do ar sobre o Atlântico norte, e um ar relativamente mais frio e húmido, com especial incidência na região costeira ocidental.

"O deslocamento do anticiclone dos Açores permite a entrada de ar mais frio, provocando mais instabilidade, e foi isso que aconteceu no dia 27 de agosto, com a chegada de uma massa de ar polar à região norte do país", prossegue Vanda Cabrinha. "Em agosto, o que se passou de mais significativo diz respeito às temperaturas mínimas muito baixas entre os dias 27 e 29, especialmente no nordeste do país, com 4,9 graus registados em Miranda do Douro e 6,6 graus em Cabeceira de Basto". É habitual o IM registar temperaturas mínimas de 12/13 graus no verão nestas regiões, mas não aqueles valores tão baixos. Em todo o caso, a especialista do Instituto de Meteorologia considera "estas anomalias pontuais". A nível do Continente, aliás, os valores médios da temperatura mínima foram também inferiores ao normal em junho - o mais baixo dos últimos 19 anos - e julho.

Verões quentes de 2009 e 2010

Para muitos portugueses não parecem anomalias pontuais e fica a impressão de que o verão foi frio e chuvoso, quando comparado com anos anteriores. Mas isso tem uma explicação: os verões de 2009 e de 2010 foram muito quentes, com valores das temperaturas bastante acima do normal e três ondas de calor cada um, fenómeno extremo que não aconteceu em 2011.

Quanto à chuva, a precipitação em agosto foi superior ao normal (média de 1971-2000), mas em junho e julho aconteceu precisamente o oposto. Fica, por fim, a recordação dos ventos fortes que estragaram o mês de julho, em particular no litoral oeste e nas terras altas, devido à localização do anticiclone dos Açores e às depressões sobre a Europa ocidental e a Península Ibérica. Os valores médios da intensidade do vento foram superiores aos do período de referência de 1971-2000 e as temperaturas mínimas registaram uma anomalia de -1,02 graus em relação às médias desse período.

Entretanto, o conhecido climatologista britânico Brian Hoskins, que esteve recentemente em Portugal, defende a teoria de que o clima no sul da Europa é também influenciado pelas monções na Índia.

Defende a teoria de que o clima no sul da Europa no verão está associado às monções na Índia. Porquê? Observámos ao longo de vários anos o movimento descendente da atmosfera sobre o Mediterrâneo que mantém o verão muito seco, com falta de chuva e de tempestades. Quando analisámos toda a circulação da atmosfera no hemisfério norte durante o verão, fizemos algumas experiências através de modelos climáticos e descobrimos que quando ativamos o calor sobre a monção na Índia, uma grande quantidade de ar atua sobre a região do Mediterrâneo em larga escala.

E se a monção falha? Se a monção na Índia falha, com a queda de menos chuva durante algumas semanas, a possibilidade de tempestades vindas do norte da Europa para o Mediterrâneo é maior. Isso pode produzir muita chuva, como aconteceu no verão de 2002, quando os indianos estavam preocupados com o que tinha acontecido à monção e enfrentavam problemas graves na agricultura por falta de chuva. Ao mesmo tempo, no Mediterrâneo houve uma precipitação significativa, bem como inundações no centro da Europa. Portanto parece que no sistema climático da Terra há muitas ligações a nível global.

Esta tendência está relacionada com as alterações climáticas? Não é uma tendência. Um dos mais importantes aspetos das alterações climáticas é entender quais serão as principais tendências das monções na Índia, mas neste momento ainda não sabemos. As monções estão a ser, em média, um pouco mais intensas, de acordo com os modelos climáticos. Mas o mais relevante é a variabilidade climática, os extremos climáticos, e o seu impacto real. Isto significa que podemos ter uma situação em que a monção na Índia não mudou em média, mas poderá provocar mais secas e inundações, o que terá um grande impacto na agricultura. É o que temos visto na Europa, com o recorde de frio em dezembro de 2010 no Reino Unido e nos países nórdicos em 2009, a onda de calor na Rússia em 2010 ou o abril mais quente de sempre no Reino Unido em 2011.

Como explica estes fenómenos? Não podemos explicar estes fenómenos neste momento. Todos os extremos estão associados a padrões, mas ainda não temos um histórico suficientemente longo para dizer que se trata de uma tendência. A Europa Ocidental é a região do mundo mais difícil para fazer previsões numa escala sazonal.

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Texto publicado na edição do Expresso de 3 de setembro de 2011