Dani

"No meu primeiro jogo em Madrid furaram-me os pneus"

16 maio 2014 22:00

Dani esteve no Atlético de Madrid de 2001 a 2003, no período mais negro do clube, entre a 2ª e 1ª Ligas. No sábado os 'colchoneros' podem ser campeões espanhóis. Dani explica porquê.

16 maio 2014 22:00

Não vale a pena começar um texto sobre Dani dizendo que se perdeu um dos maiores (e mais bonitos) talentos que o futebol português já produziu. Ele sabe-o, os colegas sabem-no e os adeptos também o sabem. Mas Daniel da Cruz Carvalho jogou onde, como e até quando lhe apeteceu. 

Formado no Sporting, entrou na equipa sénior em 1994/95, com Carlos Queiroz. Dois anos depois mudou-se para Inglaterra, para o West Ham, e marcou o treinador, Harry Redknapp. Mas fora de campo. "A minha senhora fica encantada com ele. Até eu fico sem saber se devo pô-lo a jogar ou se devo ter sexo com ele", disse o técnico inglês, candidamente, na altura.

Na época seguinte foi para o Ajax, com Louis Van Gaal, onde passou talvez os quatro melhores anos da carreira. Em 2000, ainda voltou para Portugal, para o Benfica, com Jupp Heynckes e José Mourinho, mas saiu logo depois para o Atlético de Madrid, onde acabou a carreira, aos 27 anos. Porquê? Porque quis. Hoje é comentador e opina sobre o Barcelona-Atlético que vai decidir a Liga espanhola (sábado, 17h, SportTV1).

Quando chegaste ao Atlético estavam na 2ª Liga, numa das piores alturas da história do clube. Hoje estão no topo do futebol europeu. Que diferenças vês nesta década? Vejo um equílibrio a todos os níveis, especialmente a nível estrutural, que é o que dá tranquilidade para a equipa trabalhar, tanto a jogadores como treinador.

O que é que encontraste quando chegaste a Madrid, em 2000? Encontrei um clube completamente desequilibrado, cheio de problemas, especialmente financeiros, com muitos conflitos entre direção, jogadores e adeptos. Sabíamos que era um clube com grande historial mas que estava com grandes dificuldades para recuperar um lugar no topo.

Pensaste logo "tirem-me deste filme"... Quase! (risos) Logo no primeiro jogo que fui ver - já não me lembro com quem -, que perdemos nos últimos minutos, fiquei com os pneus do carro furados. Quando cheguei lá fora os carros dos jogadores estavam todos com os pneus furados. E ainda nem tinha jogado, por isso já vês como aquilo estava.

Para quem estava na 2ª tinham uma boa equipa. Tinha saído a maioria dos estrangeiros, mas havia bons jogadores, só que a equipa estava animicamente em baixo. Tínhamos o Hugo [Leal], o Aguilera a capitão, o Kiko... Eu cheguei em janeiro e tinham 11 pontos em 33 possíveis, os adeptos estavam furiosos. Mas a segunda volta foi excelente, só não subimos por causa do goal average [o Atlético ficou em 4.º, subiu o Tenerife].

Mas na época seguinte subiram. O Futre já lá estava como diretor desportivo mas tinha apanhado o comboio em andamento e só depois é que conseguiu construir uma equipa muito forte. Foi buscar o Albertini, o José Mari, o Luis Aragonés para treinador... Ganhámos quase todos os jogos.

Foi uma loucura com os adeptos? Ah, sim, os adeptos são loucos. Vão ao estádio para fazer barulho, aquilo era tipo Argentina mesmo. Olha, mete no YouTube '2ª divisão Atlético Bétis' e vai-te aparecer um jogo que ganhámos 2-1. Vê bem como foi a nossa entrada em campo, aquilo parecia um arraial. 

No balneário havia bom ambiente? Sim, mas no primeiro ano não havia palhaços. Estares sobre constante pressão é difícil, com treinos e jogos no limite. Os adeptos encontravam-nos na rua e era logo 'o que é que estás aqui a fazer a passear? Vai para casa'. No segundo ano tínhamos o Burgos, que era cantor de uma banda heavy metal. Às 8h da manhã chegava lá com aquilo aos altos berrros (risos).

Já te tinhas cruzado com o Atlético quando estavas no Ajax. Marcaste-lhes um golo nos quartos de final da Liga dos Campeões, em 1997. Lembravam-se de ti?  Era a única coisa que se lembravam. A afición estava sempre sempre a lembrar-me 'tens uma dívida connosco'. Marquei a 30 ou 40 metros da baliza, foi um golaço. O Atlético tinha sido campeão em 1996, tinham uma equipa assim como a atual, mas estavam ali no início do período negativo.

Dani foi um ídolo no Ajax entre 1996 e 1999

Dani foi um ídolo no Ajax entre 1996 e 1999

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O Diego Simeone jogava nessa equipa, lembras-te? Com um golo daqueles eu lembro-me lá do Simeone! (risos) 

Foi uma boa escolha para treinador? A aposta nele foi o pormenor necessário para chegar ao topo. Tem a identidade do clube: muita garra e trabalho. Quem não gosta de uma equipa assim? É daquelas que excitam uma pessoa, que nos deixam com muchas ganas

Palpite para amanhã. Não sei mesmo. O Atlético mesmo não tendo Ronaldo ou Messi tem vários jogadores médios/altos que sustentam a equipa. O Tiago tem sido fantástico, é o equilíbrio da equipa, sabe o que fazer em todos os momentos do jogo. O Barcelona joga em casa e quer oferecer o título para homenagear o Tito Vilanova e isso pode mexer muito com os jogadores. Acredito que se o Atlético controlar a ansiedade e estiver como habitualmente pode vencer.

Estás a gostar de ser comentador televisivo?  Estou a adorar. Agora vejo muito mais futebol do que quando jogava e é curioso que percebo as coisas de uma forma completamente diferente. Agora reconheço o conhecimento que me foi sendo transmitido pelos vários treinadores que tive.

Desses quem destacas? O Queiroz, que me marcou primeiro, o Van Gaal, que me deu continuidade no Ajax, e o Mourinho, que tive pouco tempo mas que teve uma grande influência.

Como explicas isso do Mourinho? Ele sempre foi assim como é hoje, com as atitudes que tem e a mesma maneira de trabalhar. Na altura o Benfica instaurou-me um processo disciplinar e fui ver os Masters, e ele defendeu-me publicamente. Sempre foi um defensor incansável dos jogadores.

E tu, queres ser treinador? Não sei. Para já estou muito feliz na TVI, tratam-me muito bem. Tenho os cursos de treinador e estou a par do treino mas não sei. Vamos ver.