A 23 de maio de 1923 nascia em S. Pedro do Rio Seco, no concelho de Almeida. Mas foi do país, e do mundo. O seu legado é imenso e ainda está em aberto, pois há muitos inéditos por publicar. Escreveu um dos livros mais emblemáticos e caracterizadores da identidade portuguesa, “Labirinto da Saudade”, e foi um heterodoxo do início ao fim, um pensador curioso e sistemático até à sua morte, em dezembro de 2020, aos 97 anos
“Sou estupidamente lógico. Se adoro a imperfeição é porque a julgo perfeita.” Eduardo Lourenço escrevia estas frases em 1942, aos 19 anos. Há um que estava em Coimbra a estudar ciências histórico-filosóficas na Faculdade de Letras, onde passava o tempo — contaria — na biblioteca, a ler sobretudo Nietzsche, “inocentemente, se Nietzsche se deixasse ler inocentemente”. Bebeu de todas as fontes que encontrou, e as listas de livros desse período escondidas no seu espólio não apresentam dúvidas quanto a uma curiosidade intelectual voraz e permanentemente insatisfeita.
Eduardo Lourenço já era, nessa altura, o que veio a ser, só que ainda não o sabia. E, se o soubesse, talvez não viesse a ser quem foi. A imagem que hoje temos dele é a de um homem idoso cuja cordialidade e lucidez aguda o tornavam uma ave rara, um ser do outro mundo. Mas ele era deste, olhava-o de frente, tinha os pés na terra, os ouvidos bem abertos, nas mãos uma escrita precisa, clara, que segundo António Ramos Rosa “flui em subtil transparência como se fora um sopro de silêncio”. Já a fala de Eduardo Lourenço era, para Maria Velho da Costa, “torrencial sem tonitruância, um regato ameno”.
“Deixei-me viver”, disse ao Expresso em 2017. “Fui mais vivido do que vivi as minhas escolhas”
Exatamente esta terça-feira faria cem anos. Talvez os comemorasse com o filho Gil, com os dois irmãos que ainda vivem, com os muitos amigos que fez. Talvez, a meio de uma conversa, tirasse de repente uma das suas agendas para escrevinhar uma ideia, ou se deixasse levar pela conversa — “o Eduardo saiba que é o mais sublime tagarela que conheço, nunca torpe na má-língua, tão delicioso na análise do outro, como na justificadamente competitiva, e amorosa, tenção ao texto; malicioso se agravado, mas nunca maligno”, citando de novo Maria Velho da Costa. Se alguém lhe prestasse uma homenagem, agradeceria sem acreditar nela, como quem conhece demasiado bem o lado passageiro e vão das exaltações humanas, ou como quem aos escassos 19 anos tinha idade para escrever: “Porque a cada caminho, deixamos mil. Eu não quero deixar caminhos, portanto não sigo nenhuns.”
Aldeia de Eduardo Lourenço quer centro de interpretação para o filósofo e ensaísta Eduardo Lourenço faria cem anos e o país vai festejá-los: revelamos como e onde Fundação Calouste Gulbenkian anuncia o novo volume de Eduardo Lourenço sobre cinema Eduardo Lourenço: “Olho para a minha vida com o espanto de que ela não possa recomeçar”
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