Cultura

RTP precisa de apostar mais no digital e na descentralização, conclui Livro Branco

RTP precisa de apostar mais no digital e na descentralização, conclui Livro Branco
João Carlos Santos

O quadro legal e o contrato de concessão de serviço público deve ser revisto, conclui o Livro Branco do Serviço Público de Rádio e Televisão, apresentado esta terça-feira em Lisboa. Criar uma direção-geral para o digital na área da informação, tornar a marca RTP transversal a todos os canais e plataformas e transformar a RTP Memória em RTP Gerações são algumas das propostas e recomendações

Os membros da comissão do Livro Branco do Serviço Público de Rádio e Televisão consideram que a RTP precisa de reforçar a sua aposta na transformação digital – e, para isso, o digital tem de ser uma componente tão central como a rádio e a televisão. As conclusões do documento foram apresentadas esta terça-feira no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, por Felisbela Lopes, professora da Universidade do Minho e coordenadora do Livro Branco - que, não sendo vinculativo, servirá de base para a revisão do novo contrato de concessão da RTP.

É por isso que os autores do documento propõem o desenvolvimento de um plano de investimento tecnológico e de recursos humanos adaptado ao ambiente de transformação digital, de modo a reforçar os recursos tecnológicos existentes. Na sua perspetiva, este plano deve “ser acompanhado de um cuidado em garantir a existência de plataformas robustas, com capacidade para servir (bem) muitos/as utilizadores/as”.

Felisbela Lopes, Catarina Duff Burnay, Clara Almeida Santos, Francisco Sena Santos, Jorge Wemans, Rui Romano e Sérgio Gomes da Silva destacam a necessidade de se criar uma direção para o segmento digital na área da informação, em paralelo com as da televisão e de rádio, que deve ter tanta centralidade como estas duas – além da figura de um diretor-geral e de uma direção-geral “que coordene as direções da concessionária, cujo número, no atual contexto, pode ser reduzido”.

Na sua perspetiva, atualmente existem na RTP poucos produtos feitos a pensar, em primeira mão, no ambiente digital. “A produção de informação da RTP está longe de um pensamento digital first ou mobile first”, consideram os membros da comissão do Livro Branco, evidenciando que géneros como web-documentários, reportagens multimédia, explicadores ou infografias, entre outros, são “pouco ou nada desenvolvidos” e sublinhando que a RTP deve assegurar presença em todas as plataformas que tenham adesão de faixas relevantes dos públicos, realizando uma curadoria integrada da informação e dos seus fluxos.

A equipa coordenada pela professora da Universidade do Minho realça ainda a necessidade de um maior investimento na aplicação de notícias, que atualmente “é quase praticamente alimentada por produção destinada, em primeira linha, para outras plataformas”. No seu entendimento, esta pode não só constituir um canal de acesso aos conteúdos informativos da RTP (sendo interligada com redes sociais e outras plataformas), mas também um meio de difusão de mais produtos feitos especificamente para este canal.

“Embora com equipas parcialmente distintas, é desejável que se encontrem plataformas comuns e integradas nos diferentes níveis de produção noticiosa: da agenda à difusão da informação”, concluem, propondo ainda, no caso específico da informação, a articulação de todo o trabalho de informação da RTP, com sinergias entre o digital, a rádio e a televisão e a aposta em grandes temas de informação transversais a vários canais.

Além disso, os autores do Livro Branco alertam para a necessidade de se adotar uma estratégia para as redes sociais e outra de metadados, que possibilite “que os produtos sejam resumidos, enriquecidos ou complementados, com um incremento de informação, permitindo um melhor aproveitamento algorítmico e funcionalidades como recomendação, personalização e até controlo parental adequado”.

Uma marca RTP transversal

De modo a reforçar a sua notoriedade, a concessionária necessita de associar a marca RTP a todos os canais, plataformas e conteúdos do serviço público de rádio e televisão português – passando a ter, a título de exemplo, uma RTP Antena 3 ou uma RTP Rádio Internacional.

Neste contexto, o perfil dos canais lineares e não lineares deverá ser reajustado e redefinido. Os autores do Livro Branco deixam recomendações sobre o número e perfil dos noticiários que cada canal ou plataforma deverá ter, apresentando propostas como a transformação da RTP Memória em RTP Gerações (para juntar os mais crescidos e os mais novos, avós e netos, ajustando a programação às faixas etárias) e o reforço da informação na RTP Internacional, complementando a oferta linear com oferta não linear, “que tem em conta a diversidade dos públicos situados no estrangeiro e a evolução dos seus hábitos de consumo”.

Também o som deve ser valorizado, autonomizando-se os conteúdos rádio numa plataforma independente (ao invés de estarem alojados nos sites das antenas e da RTP Play), com conteúdos organizados por formatos e géneros, incluindo-se podcasts, audiodramas (ficção áudio) e audiolivros.

Já no que diz respeito à RTP Play, a plataforma de acesso a conteúdos on-demand da RTP, deve ser sujeita “a uma rigorosa estratégia de metadados” de modo a evitar “bolhas de conteúdo” e pode incluir conteúdos próprios, sendo um espaço para a experimentação de novos formatos ou fórmulas.

Acolher na informação novos protagonistas, nomeadamente os do interior do país, minorias que hoje têm menos visibilidade, como as pessoas com deficiência, e franjas etárias silenciadas, como crianças e jovens, é outra proposta.

Não só os centros de produção regionais (Gaia, Ponta Delgada e Funchal) devem ter maior autonomia para gerir os projetos que desenvolvem, como a produção de conteúdos deve ser cada vez mais descentralizada e ir além de Lisboa e dos centros de produção regionais, promovendo-se emissões televisivas e produção de conteúdos digitais a partir de outras zonas do país. Além disso, a programação para crianças, adolescentes e jovens não deve ser comum, mas segmentada de modo a atender às diferenças de cada público.

Reforçar o entretenimento familiar, a programação em direto (com audiências ao vivo) e a cobertura de grandes eventos (como o Festival da Canção e a Eurovisão) e definir uma estratégia coesa e sustentada de apoio à produção nacional de cinema e audiovisual são outras recomendações do Livro Branco.

Já no que diz respeito ao desporto, e não estando em causa a sua presença no operador público, deve privilegiar-se as seleções nacionais das várias modalidades, além do futebol, realçar competições femininas e tornar mais explícita a página RTP Desporto no site do operador, dotando-a de um interface mais intuitivo e de maior volume de conteúdos originais.

Rever o quadro legal e o contrato de concessão

“O enquadramento legal e o contrato de concessão [do serviço público] estão hoje desajustados da realidade”, declarou esta terça-feira Felisbela Lopes, na apresentação pública das conclusões do Livro Branco.

A professora da Universidade do Minho recorda que “a RTP tem futuro”, mas, para isso, é necessário rever o enquadramento legal e o contrato de concessão. Uma visão partilhada pelo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, que durante o evento declarou que “ou o serviço público de media se adapta e transforma face aos novos consumos e à nova oferta de media ou então o seu futuro estará sempre sob risco”.

É tendo consciência disto que os autores do Livro Branco propõem uma revisão do quadro legal, regulamentar e contratual que gere o serviço público de media, com o intuito de o tornar mais sucinto e de conferir maior autonomia ao conselho de administração, além de racionalizar os momentos de reporte de informação sobre a prestação do serviço público e de consagrar procedimentos automáticos de atualização do financiamento (para garantir o aumento de despesas não dependentes da gestão, nomeadamente o aumento de salários por disposição legal ou contrato coletivo de trabalho).

Os membros da comissão do Livro Branco propõem ainda que a concessionária tenha mais autonomia para contratar – rejuvenescendo os seus quadros, que, atualmente, têm uma idade média a rondar os 50 anos – e a possibilidade de disponibilização de financiamento para a experimentação de projetos inovadores, numa lógica de capital de risco.

Definir novas métricas de medição do impacto da sua oferta (além das audiências), criar um provedor único para a RTP e promover a literacia mediática, a sustentabilidade ambiental e social e desenvolver parcerias com centros de investigação académica são outras recomendações.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: mjbourbon@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas