Cultura

Eram de carne, eram esfinges, eram sonhos. Eram deusas italianas

20 novembro 2021 11:22

Jorge Leitão Ramos

Jorge Leitão Ramos

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Jornalista

Sophia Loren

getty images

Sophia Loren, Monica Vitti, Laura Antonelli, Claudia Cardinale, Gina Lollobrigida, Anna Magnani, Ornella Muti. Aparições na sala escura, num cinema que já não há. As divas do cinema italiano estão num ciclo na Cinemateca

20 novembro 2021 11:22

Jorge Leitão Ramos

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Jornalista

Quando, em junho de 1917, no Cinema Olympia, então um local frequentado pela coqueluche de Lisboa, António Ferro proferiu a primeira conferência sobre um tema cinematográfico, foi de atrizes que falou. Ferro estava a trazer para a respeitabilidade cultural uma atividade que, para a generalidade da intelligentsia portuguesa, se situava pouco acima dos espetáculos de feira, muito abaixo do teatro, para já nem falar da ópera ou da literatura que pairavam no Olimpo. Nesse momento inaugural, o homem que fora o editor da “Orpheu” e que viria a ser o capital motor da propaganda do salazarismo não falou dos grandes autores cinematográficos (que os havia), nem dos nomes grados da literatura ou das artes plásticas que já iam deixando marcas profundas na novel arte das imagens em movimento. Não. Ferro falou de intérpretes, nada no sentido habitual de pessoas que dão corpo a personagens. Ele falou de divas, aquela espécie de semideusas que o cinema é capaz de criar, um pé na Terra e o outro nas inomináveis fantasias a que nós, seus súbditos, nos permitimos. Ele falou de três italianas — Pina Menichelli, Francesca Bertini e Lyda Borelli —, a quem chamou “as grandes trágicas do silêncio” que o destino havia de afastar dos ecrãs pouco depois. Uma casou com um barão, outra com um conde, a terceira com um banqueiro suíço, que as tiraram da vida artística para espaços mais privados.

As divas no cinema transalpino — outrora um dos mais poderosos da Europa — é, como se vê, um fenómeno de sempre e está a ser celebrado pela Cinemateca Portuguesa, numa parceria com a Festa do Cinema Italiano. Nunca o termo ‘festa’ pareceu mais adequado. Há que vê-las, deidades de um tempo que se esvaiu quando, de Roma a Milão, de Turim a Nápoles, as televisões desreguladas tomaram conta de tudo. Felizmente, os filmes ficam, enquanto as Cinematecas fizerem o trabalho de os preservar.