Não é óbvio imaginar que um autor premiado com o Pulitzer e o Nobel da Literatura possa alguma vez ter sido rejeitado pelas editoras. Mas é o que aconteceu a John Steinbeck, que muito antes de ser celebrado como um dos grandes escritores norte-americanos destruiu dois romances e um outro, proposto para edição e recusado, ficou guardado até hoje e ainda se mantém desconhecido do público.
É justamente pela publicação deste livro, cujo título é "Murder at Full Moon", que se bate o académico Gavin Jones, um especialista em literatura norte-americana na Universidade de Stanford, onde o próprio Steinbeck estudara nos anos 20 do século XX. Gavin Jones dirigiu aos proprietários do espólio do autor um pedido de edição da obra, redigida uma década antes de "As Vinhas da Ira", a magnum opus onde Steinbeck analisa a Grande Depressão e disseca a vida dos trabalhadores rurais migrantes.
"Haveria um grande interesse público num romance totalmente desconhecido de um dos mais conhecidos e lidos escritores americanos do século XX", disse o especialista ao jornal britânico "The Guardian", enfatizando: "Este é um romance sobre o qual ninguém sabe nada. É um romance completo de Steinbeck. É incrível."
Com 233 páginas escritas a máquina, conservadas nos arquivos do Centro Harry Ransom, na Universidade do Texas, desde a tentativa frustrada de as publicar há já mais de 90 anos, a história centra-se numa Califórnia costeira e ficcional, onde uma onda de assassinatos perpetrados à luz da lua cheia enchem de medo uma comunidade. O original inclui mesmo duas ilustrações de Steinbeck a reproduzirem a planta do prédio onde as mortes acontecem e os locais onde os corpos foram encontrados.
Para Jones, este é um Steinbeck muito diferente do espelhado nos seus outros livros, o que poderá justificar que ele tenha recorrido a um pseudónimo para assinar este romance — Peter Pym. "Não é certamente o Steinbeck realista, mas o naturalista, interessado na natureza humana. É um livro de horror destinado a pagar despesas, e é por isso que os leitores poderão acha-lo mais interessante do que o Steinbeck mais típico. É um Steinbeck totalmente novo — uma história inquietante cuja atmosfera é a de um mistério envolto em nevoeiro, maligno e malicioso", especifica o catedrático, para quem é provável que o livro tenha permanecido escondido pelo seu caráter "demasiado sinistro" para a época.
Agentes discordam de publicação
Noventa anos depois da primeira rejeição, os agentes literários que têm a seu cargo o espólio de John Steinbeck — McIntosh & Otis — continuam a defender que "Murder at Full Moon" não seja publicado. "Na medida em que Steinbeck escreveu [o romance] sob pseudónimo e não escolheu publicá-lo durante a sua vida, sustentamos que tal não correspondia à sua vontade. Enquanto agentes do espólio, não tencionamos explorar as obras além daquilo que teriam sido os desejos do autor e dos proprietários", declararam ao "Observer".
Jones contrapõe que o escritor tentou publicar o livro no início da carreira e "não destruiu o manuscrito, como fez com muitos outros". Por outro lado, "muitos autores têm as suas obras publicadas postumamente e escreveram sob pseudónimo".
John Steinbeck (1902-1968) escreveu trinta romances, venceu o Pulitzer por "As Vinhas da Ira" em 1939 e o Prémio Nobel da Literatura em 1962. Em Portugal, acabou de sair "O Milagre de São Francisco" (ed. Livros do Brasil), de 1935.
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