Coronavírus

Covid-19. 'Geração à rasca' novamente apanhada pela crise

Os licenciados foram o único grupo de profissionais a registar uma redução no salário médio ao longo da última década
Os licenciados foram o único grupo de profissionais a registar uma redução no salário médio ao longo da última década
GETTY Images

Estavam a começar a recuperar dos impactos da crise de 2008/2009 e a pandemia empurrou-os novamente para a precariedade. A 'geração à rasca' está novamente 'à rasca'. São o grupo mais penalizado pela perda de rendimentos, conclui um estudo da Escola Nacional de Saúde Pública

Há dez anos, a viver as sequelas da crise de 2008/2009, foram apelidados de "geração à rasca". Hoje, enfrentam novo embate: são o grupo da população mais afetado pelos impactos da crise gerada pela pandemia da covid-19. O Barómetro Covid-19, um inquérito da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), divulgado este sábado, mostra que a geração entre os 26 e os 45 anos apresenta a maior perda de rendimentos durante esta crise e o maior risco de ser infetada.

O inquérido da ENSP que envolveu cerca de 180 mil questionários, analisou as desigualdades sociais em tempos de pandemia com o objetivo de perceber como estão as várias gerações a ser afetadas pela crise económica e social que já se faz sentir. Os dados mostram que "a crise da covid-19 afeta de forma desigual a população, com particular impacto nos grupos mais jovens. A geração com 26-45 anos em particular está a ser mais afetada pela suspensão da sua atividade e teve a perda de rendimento mais significativa", salienta a ENSP.

Uma realidade para a qual o Expresso já tinha chamado a atenção e que os números vêm agora confirmar. Depois da recessão de 2008, muitos dos nascidos nas décadas de 1980 e 1990 tinham conseguido reerguer-se, começando agora (uma década depois) a recuperar da penalização salarial que afeta todos aqueles que entram no mercado de trabalho em momentos de adversidade económica e demora muitas vezes mais de dez anos a recurperar. Voltaram agora a ser puxados para a precariedade e para a incerteza.

O relatório da ENSP confirma-o: "há 10 anos, numa altura em que davam início à sua vida profissional, estas pessoas foram fortemente afetadas pela crise que envolveu o resgate da 'troika', ficando apelidadas inclusivamente de 'geração à rasca'" e agora "volta a enfrentar o peso de mais uma crise, cujos efeitos continuarão a ser sentidos nos próximos anos".

43% perderam rendimentos

Segundo as conclusões do inquérito, quando questionados sobre a perda de rendimento durante a pandemia, 43% dos inquiridos disseram que o perdeu parcialmente ou totalmente. São as pessoas com rendimento inferior quem sofreu mais: 25% dos que ganhavam até 650 euros perderam todo o rendimento e cerca de 39% parcialmente.

A ENSP realça ainda que 49% das pessoas que auferem até 650 euros suspendeu a atividade profissional, proporção que diminui com o aumento do escalão de rendimento. Uma em cada três pessoas que suspendeu a sua atividade perdeu todo o rendimento e mais de metade parcialmente.

Os trabalhadores por conta própria foram quem mais suspendeu a atividade (48%, comparativamente a 17% dos que trabalham por conta de outrem) e quem mais perdeu rendimento (37% perdeu-o totalmente, contra 2% dos empregados), "o que sugere que estabilidade no vínculo laboral poderá, em parte, estar associada a menor perda de rendimento", refere o inquérito "Outra crise, a mesma geração".

"Aliada à vulnerabilidade social e económica, este grupo continua a ser o que mais está a sair para ir para o local de trabalho [35%], com contacto com o público ou colegas, estando assim em maior risco de exposição à covid-19", sublinha, observando que é neste grupo estão os pais das crianças que brevemente irão regressar à creche, que reabrem na segunda-feira.

Maior risco de contágio

É também esta a população que se sente em maior risco de contrair a covid-19: cerca de um em cada dois perceciona-se em risco elevado relativamente a 13% em teletrabalho. O estudo aponta que 34% dos inquiridos dizem sentir-se "ansiosos ou agitados todos, ou quase todos, os dias", sendo os que estão em contacto com o público ou colegas quem se sente ansioso mais frequentemente, comparativamente a 24% dos que estão em teletrabalho.

São também os que perderam todo o rendimento quem se sente do mesmo modo (40% comparativamente a 22% dos que mantiveram o rendimento), sublinha. "Vemos que, por razões diferentes, mas muitas vezes simultâneas, as pessoas sentem-se agitadas e ansiosas", quer por terem de se expor a maior risco, nomeadamente ao sair de casa para ir para o local de trabalho onde têm de contactar com colegas ou com o público, quer pela preocupação face à deterioração da sua situação económica, refere a ENSP.

Para os investigadores, "são necessárias medidas de apoio social e económico para mitigar os efeitos da crise, particularmente neste grupo, que vê deteriorada a sua situação socioeconómica, mas que representa parte importante da 'força motora' para superar a crise nos próximos tempos".

Os últimos dados da Direção-Geral da Saúde (DGS) sobre a pandemia indicam que Portugal contabiliza 1.190 mortos associados à covid-19 em 28.583 casos confirmados de infeção.

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