Estas mulheres são guardiãs das genuínas receitas da cozinha tradicional alentejana
Nas cozinhas das famílias, com a avó e a mãe, aprenderam as receitas genuínas de um Alentejo repleto de tradições. Hoje são cozinheiras de “mão-cheia” numa zona interior deste território nacional
No passado, o caminho dos ingredientes fazia-se sobretudo do campo para a mesa. A carne estava destinada a dias de festa, mas as famílias criavam alguns animais no quintal e recorriam ainda aos peixes do rio. Com esta realidade nasceram muitos dos pratos que estas cinco mulheres confecionam, a preceito e com todo o esmero, nos restaurantes onde trabalham, na maioria dos casos há mais de 20 anos. Algumas até já perderam a conta do tempo porque só têm ideia da vida a fazer o que fazem: cozinhar.
Maria João Chaves
Maria João Chaves (restaurante A Cavalariça, Castro Verde)
“Cozido de grão”, “Ensopado de borrego” ou “Bochechas de porco preto” são ex-líbris da casa, onde Maria João Coelho, há quase 40 anos, serve com brio todos aqueles que a visitam na pequena localidade alentejana de Entradas, junto a Castro Verde. A proprietária e cozinheira do restaurante “A Cavalariça” já nem se lembra bem desde quando “está por ali”. Presume que “desde os 10 anos de idade”. Foi “lidando” sempre com a cozinha. Via os mais velhos a fazer, mas acha que “vai da pessoa” e que “quando se gosta, gosta”. Prepara também os pratos de caça, entre os quais a já famosa “Açorda de perdiz”. É ainda a doceira de serviço, que nos brinda com um “final feliz", feito de “Encharcada” e “Sericaia”. Decorou o restaurante (Rua do Paço, 14, Entradas. Tel. 286915491) com cortinados de linho, fotografias antigas de Entradas e pratos de barro pintado. É aqui que perpetua o receituário tradicional que há 20 anos merece lugar no Guia Boa Cama Boa Mesa.
Josefa Repas
Josefa Repas (restaurante da Herdade do Sobroso, Vidigueira)
Natural de Portel, aos 68 anos, é a “rainha” das açordas, um título corroborado pelos cinco primeiros prémios no respetivo Concurso, entre as quais se destacam a açordas “de cação” e “de beldroegas com bacalhau e ovo escalfado”. Mas as especialidades de Josefa Repas incluem também pratos de caça como o “Lombinho de javali assado, migas de espargos verdes e batatinhas douradas” e a “Perdiz estufada com cebolinhas e vinho do Porto”. Existe inevitavelmente um toque de autor de quem é apaixonado pela cozinha desde sempre, mas quem a ensinou a cozinhar foi a mãe, que cozia o pão nos fornos tradicionais e com quem aprendeu não só a fazer o pão como também os tradicionais “Bolos folhados alentejanos”, “Merendeiras”, “Borrego assado”, a “Galinha do campo corada” e o “Lombo de porco preto”. Está no restaurante da Herdade do Sobroso desde o primeiro dia em que o projeto abriu, faz agora 15 anos. Conta, com graça, a história de umas migas demasiado "apimentadas" servidas a um casal de namorados. Chamaram Josefa Repas (que ficou aflita) à sala, mas a empatia foi tal que, além de ficarem genuinamente amigos da cozinheira, o casal acabou por casar na Herdade do Sobroso (Marmelar, Vidigueira. Tel.284456116) e fazer questão que Josefa Repas fosse a chef responsável por todo o evento.
Saudade Campião
Saudade Campião (Taberna A Pipa, Beja)
Nascida na Vidigueira, em 1967, trabalhou na rádio local durante cinco anos. Proprietária da Taberna A Pipa desde 1998, onde é cozinheira, Saudade Campião serve os mais emblemáticos pratos de conforto alentejanos. O que mais prepara são as “Migas”, declinadas com espargos, poejos, tomate..., mas também as “Sopas de cação”, “de espinafres”, de “beldroegas”, de “toucinho” e, claro, a “Açorda alentejana com bacalhau” e o “Ensopado de borrego”. Há mais de 25 anos que é embaixadora da cozinha do Alentejo. Em miúda já gostava muito de ver cozinhar a mãe, avó, tias e vizinhas. Tem muitas, e boas, lembranças “dos aromas, sabores e ingredientes utilizados”, já então sazonais, entre “tomate, espinafres, favas, ervilhas, alfaces e ervas aromáticas que não podiam faltar”. “Tínhamos um quintal grande e era lá que se semeava”, explica ainda. Na Taberna A Pipa (Rua da Moeda, 8, Beja. Tel. 284327043) encontre todo este património na cozinha de uma mulher de nome invulgar, Saudade Campião.
Vitalina Santos
Vitalina Santos (restaurante da Herdade da Malhadinha Nova, Beja)
Começou muito jovem a trabalhar numa quinta de frutas e hortícolas. Vitalina Santos teve uma breve experiência como ajudante de cozinha num restaurante alentejano e, aos 29 anos, começou a trabalhar como caseira para a família Soares, proprietária da Herdade da Malhadinha Nova. Em 2008, quando a abertura do restaurante da Herdade, passou a comandar os destinos da cozinha. Tratava então de tudo porque a ementa era feita unicamente de pratos tradicionais. Com 53 anos de idade, dos quais 24 a trabalhar na Malhadinha, detém atualmente o “pelouro” dessas especialidades de sempre como o “Cozido de grão”, “Ensopado de borrego”, “Arroz de perdiz”, “Feijoada de lebre”, “Migas com porco preto” e a “Sopa de cação”. Também na carta de doces, tem uma marca, nomeadamente a da eterna “Sericaia”. Foi Vitalina Santos que ofereceu o seu saber de gerações aos chefs/cozinheiros que hoje fazem parte da equipa do restaurante da Herdade da Malhadinha Nova (Herdade da Malhadinha Nova, Albernoa, Beja. Tel. 284965432). Nascida em São Teotónio, Odemira, aprendeu a cozinhar com a mãe e a avó, mas foi também através de alguma pesquisa e curiosidade à mistura que evolui e se tornou a guardiã dos sabores tradicionais num restaurante de fine dining que oferece igualmente propostas contemporâneas.
Natércia Fialho
Natércia Fialho (Restaurante da Adega – Ribafreixo Wines, Vidigueira)
Nascida na freguesia de Pedrógão, concelho da Vidigueira, tem 55 anos de idade, dos quais 20 anos dedicados à cozinha. Trabalhou em várias cozinhas do Alentejo, mas também na Suíça, onde esteve emigrada e cozinhava num restaurante de comida portuguesa. A cozinha esteve sempre presente na família. Faz questão de referir que o pai foi o primeiro cozinheiro na tropa em Portugal, uma função que também desempenhou na Índia. A mãe sempre demonstrou um gosto especial pelo trabalho na cozinha. Entre os pratos mais requisitados tem a “Feijoada” e o “Cozido de grão”, ambos “à alentejana”, e as “Migas com entrecosto”. No entanto, ainda há pouco tempo um casal fez questão de agradecer a Natércia Fialho “porque tinha comido o melhor bacalhau da vida” no Restaurante da Adega - Ribafreixo Wines (Adega Moinho Branco, Vidigueira Tel. 284436240) e “é muito reconfortante, para quem se dedica tanto, ter este reconhecimento”, confessa a cozinheira. Neste restaurante, com vista para a vinha, recomendam-se ainda da cozinha de Natércia Fialho as “Costeletinhas de borrego na grelha” e as “Açordas”, “de alho com bacalhau e ovos”, ou de “espinafres com bacalhau, queijo e ovos” e as “Sopas de cação”.
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