17 julho 2012 8:00
17 julho 2012 8:00
Rigor pode querer dizer "exatidão, correção, precisão" ou pode querer dizer "dureza, força, severidade". Infelizmente, há uma certa tendência para usar a palavra com o segundo sentido fingindo que é o primeiro que está em causa.
Do ponto de vista ético, escolheria uma definição livre que me agradaria mais: rigor é nunca exigir aos que dependem de nós mais do que exigimos a nós próprios. Infelizmente, em culturas onde a autoridade resulta de um estatuto formal e não de uma liderança reconhecida pela comunidade, esta ideia não medra. Isso nota-se nas empresas, nas salas de aula, nas forças de segurança, nas organizações políticas e no Estado. É rigoroso aquele que exige muito dos outros, independentemente da justiça dessa exigência. É rigoroso o autoritário, não aquele a quem é reconhecida autoridade.
Ouçam como falam a maioria dos patrões. Vejam o que se espera da polícia. Leiam o que se vai escrevendo sobre o que deve ser a nossa escola. Tomem atenção ao que muitos pais dizem sobre o que deve ser a educação dos seus filhos. Notem como falam os governantes. Reparem no gozo narcísico pelo poder discricionário, da mão firme, da punição e do castigo. Aquilo que muitos associam ao rigor parte, na realidade, de uma desconfiança em relação aos outros. E essa desconfiança nasce de uma sociedade sem sentido de comunidade. E essa falta de sentido de comunidade tem como origem a desigualdade social.
Não confiamos uns nos outros porque nos habituámos a viver numa sociedade onde cada um trata de si. Esta é a regra das sociedades desiguais. E é de uma suposta naturalidade desta regra que se alimenta, mesmo que não tenha consciência disso (não sou dos que acham que as convicções de cada um cheguem para definir o seu carácter), a ideologia a que comummente chamamos de neoliberal: a ganância e o egoísmo são inatas ao homem e só elas podem fazer o homem progredir. A associação do mérito à capacidade de passar por cima dos outros é o inevitável resultado da amoralidade do liberalismo simplificado - não o confundo com o original. Mas como até o poder mais arbitrário precisa que os outros lhe reconheçam autoridade, essa amoralidade apenas se aplica a quem detém o poder. É aos que devem obedecer que se aplica o implacável "rigor".
Nada, no comportamento ético da nossa elite política e económica, durante esta crise, é uma mera excrescência do sistema. Faz parte da lógica do "austeritarismo", a verdadeira ideologia dos liberais-conservadores - defensores da liberdade sem limites do poder económico e de um severo autoritarismo do Estado face aos cidadãos. A desigualdade que defendem como inevitável não se aplica apenas ao poder económico de cada um. Ele determina a desigualdade no cumprimento de determinadas regras sociais. É extensível a todos os domínios da vida. Incluindo na distribuição desigual do rigor.
O problema de Miguel Relvas não é ter menor exigência ética do que terão tantos outros. É não ter seguido o caminho que lhe permitiria conseguir tudo o que tem, cumprindo as regras que a desigualdade instituída lhe garante. Talvez o problema de Relvas seja o mesmo de outros arrivistas. Quem não nasceu em berço de ouro tem de seguir alguns atalhos para conquistar a impunidade como privilégio social. E ao fazê-lo, corre um risco de não medir o seu verdadeiro poder, julgando que está acima da sanção social. Isso é luxo para poucos.