Antes pelo contrário

A nossa crise e os pinguins suicidas de Werner Herzog

16 janeiro 2012 8:00

Daniel Oliveira (www.expresso.pt)

16 janeiro 2012 8:00

Daniel Oliveira (www.expresso.pt)

O canal Discovery pediu ao cineasta Werner Herzog um documentário sobre a Antártida. Espantado, este aceitou mas avisou: "não vou fazer um documentário sobre pinguins". O aviso fazia sentido. Depois do sucesso de "A Marcha dos Pinguins" e do "Happy Feet", não queria participar na corrida para o filão de mais um documentário delico-doce. Mas, apesar de "Encounters at the End os The World" se concentrar nas estranhas personagens humanas que ali trabalham, Herzog dedica alguns minutos aos pinguins. Entrevista o cientista marinho David Ainley. Ele conta que alguns pinguins, desorientados mas não enlouquecidos, fazem caminhadas intermináveis para o interior do vasto continente. Aí encontrarão morte certa. Mas a perturbação é persistente. Mesmo que um cientista pegue no animal e o devolva à sua colónia, para que ele sobreviva, ele de novo se dirige para as montanhas. As vezes que for necessário. Até encontrar o suicídio mais do que certo. Herzog pergunta: "Mas porquê?" Não há resposta.

Esta é a melhor imagem que me vem à cabeça para descrever o comportamento do nosso País e da Europa perante a crise que enfrentamos. Já não há, neste momento, ninguém que, no seu perfeito juízo, não perceba que a austeridade é um erro. E, no entanto, por mais que se insista em contrariar esta "caminhada suicida", nenhuma evidência a trava.

O Banco de Portugal apresentou as previsões para o próximo ano. Elas são esclarecedoras sobre os efeitos económicos e financeiros desta opção. Mas nem precisávamos de tanto. A mesma receita, na Grécia, destruiu qualquer otimismo que pudesse existir sobre os efeitos da "ajuda" que lhe foi dada. Agora, a Sandard & Poor's estima que a probabilidade de recessão na zona euro é de 40% e prevê uma contração da economia em 1,5%. Quanto a Portugal, a sua dívida é "lixo" (já me perdi, de tantas vezes que esta novidade nos foi dada). Os que antes viam as agências de rating como meros "mensageiros" tratam-nas agora como opositores políticos da Europa. E concluem: Portugal tem continuar o caminho que foi definido. Como os pinguins de Herzog.

Ao contrário dos senhores que agora nos governam, não mudei de opinião sobre estas agências. Não são analistas, são atores de um processo especulativo e de um ataque ao euro e às dívidas soberanas. Já o eram antes e continuam a sê-lo agora. Mas é a Europa, e não S&P, que define as regras do euro e o deixa vulnerável aos especuladores e às agências que os servem. Mas é Portugal, e não a S&P, que teima num caminho sem futuro.

O discurso da inevitabilidade é o discurso da irracionalidade política. O poder destas agências, a fragilidade do euro e a opção pela austeridade e emagrecimento do Estado em plena crise não resultam de qualquer cataclismo natural. São as escolhas de políticos - e daqueles que os elegem - que poderiam, se assim o quisessem, inverter a situação. Não sei se enlouquecemos ou estamos desorientados. Sei que a nada nos parece desviar desta caminhada para a morte. Mas porquê? Não tenho uma resposta evidente. Talvez as vésperas da segunda guerra e talvez ali esteja a resposta. Nunca devemos desprezar a irracionalidade humana e a sua extraordinária capacidade autodestrutiva.