Luís Carmelo

O campeonato do papa angélico

10 abril 2008 8:00

10 abril 2008 8:00

Quando o meu clube não ganha o campeonato, não levo a sério nada do que se possa relacionar com futebol. Luxos menores. Mais: passo a rever na alegria alheia o sintoma da maior das idiotices da espécie humana. E descubro, menos - muitíssimo menos - nos adeptos, mas sobretudo nos seus mentores, aquele rosto visivelmente aparolado que é próprio dos alcapones de alterne. São dias em que rio à gargalhada para dentro. Como um Aladino a quem retiraram, de vez, a lâmpada mágica.

Nestas alturas, entro suavemente naquele estado de crisálida que o futebol tão bem definiu como "defeso", uma nova dimensão teológica do limbo que permite às almas descansar e, ao mesmo tempo, aguardar pela possibilidade de melhores dias. Nem sempre a ponte que sobrevoa o inferno - a Sirât - é assim tão desinspiradora. Disso sabe, não quem perde, mas quem por momentos deixou de ganhar. É esse o meu caso.

Na praça da política, curiosamente, passa-se algo bastante parecido. Quase tirado a papel químico. Sabem porquê? Precisamente, porque a larga maioria das pessoas não leva os políticos muito a sério. Disso sabe toda a gente menos os visados. Os políticos, tal como os físicos no aquário das equações que só eles entendem, vivem, na maior parte do tempo, entre a lufa-lufa de um carrossel agitado que circula à volta de si mesmo. Daí a redundância e o ruído das habilidosas verves, cuja auto-imagem é prosaica e serena, mas que, vista de fora, ou seja, da feira, é essencialmente paródica e hilariante.

O que significa que o público em geral vive como se o seu clube raramente, ou mesmo nunca, ganhasse. Ao invés, para os políticos, o clube do coração é sempre um arco-íris imbatível. Esta simetria, própria de teatros que encenam peças que nada têm em comum, só episodicamente é desfeita. Porque são poucos os momentos em que se forma um lastro de seriedade entre os políticos e o mais comum dos indígenas. E quando tal sucede, o que está em causa são sobretudo motivos simbólicos, passando, nessas alturas, os políticos a envergar as vestes sacerdotais de supremos mediadores (como aconteceu em alturas como a entrada para a CEE em 1986, a Expo98 ou o caso de Timor em 1999).

No futebol, não há sacerdotes, nem mediadores. Apenas papas e mandamentos enviesados. Mas o lastro de seriedade, esse, bem pode morrer na praia. Recuo, por isso mesmo, ao meu limbo e tudo faço para que venham dias melhores. E aos políticos não faria mal nenhum que sobrevoassem, também, de vez em quando, a tal ponte que sobrevoa o inferno: a inspiradora Sirât.

Luís Carmelo

Professor universitário e autor