Gazeta das Caldas

Professores que fizeram a Revolução dão testemunho aos alunos

30 abril 2009 18:24

Gazeta das Caldas / Natacha Narciso

Decorreu na passada segunda-feira, 27 de Abril, uma interessante sessão na Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro, dedicada ao 25 de Abril, ao 16 de Março e à Guerra Colonial na qual participaram professores e ex-professores daquele estabelecimento escolar que foram participantes directos naqueles acontecimentos.  

30 abril 2009 18:24

Gazeta das Caldas / Natacha Narciso

José Clímaco foi um dos alferes da coluna de Salgueiro Maia, Leonel Cardoso estava na Marinha e participou na tomada da sede da Pide. João Pereira esteve nas Caldas no 16 de Março e António Veiga perdeu dois anos de universidade porque teve que ir combater para a Guerra Colonial. Trinta e cinco anos depois contaram as suas histórias aos alunos.

"Por causa da Guerra Colonial perdi dois anos da Universidade pois tive que ir para a tropa", contou António Veiga, hoje presidente do Conselho Executivo daquela escola, que diz que apanhou o final da guerra em Angola quando já só "havia uns tirinhos".

Mas no inicio a guerra colonial "foi muito dura e violenta para as populações", contou o responsável, explicando que esta era feita com catanas, canhangulos e armas obsoletas. As tropas dos movimentos angolanos "atacavam e matavam de surpresa e provocavam o terror", disse.

Apesar de ter sido oficial de transmissões e não estar na primeira linha dos combates, reconhece que acabou por crescer muito ao ter vivido muitos dramas durante a guerra.

Os combates eram feitos no "bate e foge" e existiam grandes dificuldades no terreno tendo em conta que Angola é 14 vezes e meia maior que Portugal e que o inimigo o conhecia bem. Apesar de tudo, quando se deu a Revolução, era um teatro de guerra que estava controlado, diz. "O que estava completamente apodrecido era o próprio regime", o que permitiu que fosse feita uma revolução com cravos, "as melhores balas que apareceram para os derrubar", disse o professor.

O coronel Rocha Neves - que esteve envolvido no 16 de Março e que se juntou a esta realização que decorreu na biblioteca da escola -, começou por enquadrar os vários teatros da Guerra Colonial e do receio que acontecesse na Guiné o mesmo que na Índia "onde as tropas foram deixadas pelo governo para ali morrer".

O militar acabou por falar no 16 de Março, no qual participou e deixou como sugestão a leitura do livro sobre este assunto da caldense Joana Tornada, que resultou da sua tese de mestrado.

"Foi um movimento que não teve sucesso, mas que foi importante para o 25 de Abril e que vai na continuidade de toda a acção clandestina que se registava desde 1973", disse.

João Pereira, ex professor de Matemática da Bordalo Pinheiro, era tenente quando se deu o 16 de Março. Estava no quartel das Caldas e viveu de perto todos os acontecimentos que tiveram lugar naquela noite. Como muitos outros acabou preso, mas pensa, tal como Otelo Saraiva de Carvalho, que "o 16 de Março foi um balão de ensaio para a Revolução".

Contou que quando a coluna (na qual não participou) regressou de Lisboa, o ambiente era tão tenso que tentou brincar dizendo que "vocês voltaram para trás pois não tinham 5$00 para pagar a portagem". Ainda houve alguns esboços de sorrisos, mas a tensão era demasiada para mais do que isso. Anda em relação à Guerra na Guiné, João Pereira fez questão de esclarecer como era bem diferente aquele teatro de operações pois as tropas guineenses "até possuíam mísseis terra-ar com os quais chegaram a destruir helicópteros".

O professor trouxe para a sessão um artigo da Gazeta das Caldas, à época totalmente alinhada com o regime, que tentava "abafar" o 16 de Março, que aconteceu nas Caldas, mas que poderia ter acontecido noutro sítio qualquer e um louvor transformado em relato de futebol onde se lamenta que o golpe não tenha alcançado bom termo e que foi publicado na época num jornal desportivo.

João Pereira considera que "o rastilho da revolução foi de facto aceso por Lamego, o detonador foi o RI5 das Caldas e o TNT foram todas as forças que não se movimentaram, ainda hoje não se sabem bem porquê". Na sua analogia com uma bomba, João Pereira prosseguiu afirmando que "a carga de trotil estava muito afastada do detonador e, por causa disso, não houve explosão", rematou.

"A revolução parou no vermelho no Campo Grande..."

"Vamos mudar o regime, este já não nos serve". Foi com este mote que saíram os militares da Escola de Cavalaria de Santarém que acompanharam Salgueiro Maia até Lisboa. Um deles era José Clímaco, que foi professor de agro-pecuária na Bordalo Pinheiro e que desde o dia 12 de Março que acompanhava Salgueiro Maia. Inclusivamente ajudou a preparar os carros de combate com os quais a coluna partiu para Lisboa. Só ficaram no quartel dois ou três militares, já casados e com filhos que pediram para não ir pois na verdade ninguém sabia as consequências daquela saída.

"Quando chegámos a Lisboa, íamos ao Campo Grande e a Revolução parou o sinal vermelho", contou, confirmando uma das cenas do filme "Capitães de Abril". José Clímaco também lembrou que o comandante da coluna avisou "que não se voltava a parar nos semáforos e assim as viaturas seguiram até ao Terreiro do Paço".

Aquele docente contou que entretanto chegou uma coluna afecta ao governo que, curiosamente, até tinha entre os oficiais um amigo seu que foram colega de quarto em Santarém. Felizmente, a coluna "inimiga" rapidamente aderiu à revolução e passou-se para o lado dos revoltosos.

"Ficámos com as viaturas deles e com os homens do Quartel da Ajuda do nosso lado". No entanto, tiveram que "fazer frente" a uma outra coluna que surgiu - composta por carros de combate de lagartas, maiores e mais potentes - "e foram duas horas difíceis pois só tínhamos ordens de responder ao fogo". Felizmente nada aconteceu e tudo acabou bem.

Este participante recordou que os carros de combate usados para fazer a Revolução eram velhos, oriundos da Guerra da Argélia e que "avariaram logo no dia a seguir".

Para Leonel Cardoso "o 25 de Abril vai esfumar-se no tempo". Este professor de Educação Física reformado considera que hoje, quem se lembra melhor da Revolução são as pessoas com mais de 50 anos. "Os outros vão por arrasto", disse, acrescentando que é preciso continuar a celebrar. Só que, "passar a História da Revolução às novas gerações vai ficar muito na mãos dos professores", comentou este operacional que no 25 de Abril era oficial da Escola de Fuzileiros.

"Competiu-nos a tomada da António Maria Cardoso e dos outros locais afectos à Pide", disse. Mas para além da sede da polícia política, foi preciso tomar também o forte de Caxias, a prisão de Peniche, a sede da Legião e da Mocidade Portuguesa. Por esse motivo, alguns só foram ocupados no dia 26 de Abril.

Esta actividade foi organizada por duas turmas do curso profissional de Turismo e de Apoio à Infância. A sessão ainda contou com a declamação de do poema de Ary dos Santos "Portas que Abril abriu" e a dramatização da peça de Conceição Lopes "25 de Abril quase como um conto de fadas".

Ao longo de toda a sessão foram passadas fotografias e ilustrações relacionadas com as temáticas de Abril. Por fim, os jovens entoaram a canção "Venham mais Cinco" de Zeca Afonso.

Segundo algum dos presentes, a riqueza dos testemunhos mereciam que esta iniciativa extravasasse a própria escola e fosse apresentada à comunidade. No fundo, não é todos os dias que se ouvem contar estórias dos operacionais que viveram os momentos mais marcantes da História contemporânea de Portugal.