À mesa com José Quitério

Modernidade convincente

15 setembro 2010 9:00

José Quitério (www.expresso.pt)

rui duarte silva

No Pedro Lemos a seleção de ingredientes é criteriosa e a capacidade inventiva e associações são surpreendentes. Grande restaurante no Porto. PEDRO LEMOS Rua Padre Luís Cabral, 974, Porto (Foz) Tel.220 115 986 (Fecha aos domingos ao jantar e segundas e terças ao almoço)

15 setembro 2010 9:00

José Quitério (www.expresso.pt)

Parece não ter fim (neste caso, princípio), para quem a tenha de subir, a empinada Rua Padre Luís Cabral, que começa lá para cima na Rua Bartolomeu Velho, esta já na área da Pasteleira e na freguesia de Lordelo do Ouro. Mas a parte que agora nos interessa é a cá de baixo, a da Foz Velha, pelo que o melhor é tomar como referência o Castelo de São João da Foz - concluído no século XVII e sempre arredio de proezas guerreiras - e de costas para ele penetrar um pouco no interior da zona. Aconteceu meter-me pela Rua de Santa Anastácia e o certo é que imediatamente me vi (não sem deixar de notar uma capelinha na esquina) na pretendida Rua Padre Luís Cabral (que a tabuleta informa ter sido orador e publicista, 1866-1939). Alguns passos andados, ultrapassado o término da Travessa do Passeio Alegre, e aí está, do lado esquerdo, com telheirinho e tudo, a porta do Restaurante Pedro Lemos. No mesmo sítio onde existiram sucessivamente dois bares renomados, Pifo e Beco.

Diga-se já que o nome do restaurante é mesmo o do proprietário e chefe cozinheiro, e que o ainda jovem Pedro Lemos aprendeu com Miguel Castro e Silva e Aimé Barroyer, esteve na duriense Quinta da Romaneira e em novembro de 2009 estabeleceu-se por conta própria (como se dizia na linguagem comercial). Espaço de receção, duas salinhas (para um total de 46 utentes) em dois pisos, bar e terraço, ambiente e amesendação aconchegantes e apurados.

A lista de comidas que encontrei (jantar de cinco pessoas em 26 de Julho passado) propunha 8 entradas, 5 pratos de peixe (contemplando pescada, bacalhau, polvo, atum e salmonete, rodovalho), 5 de carne (codorniz, porco preto, leitão, cordeiro e vitela mirandesa), 3 vegetarianos e 3 infantis. Dois menus de degustação, a €40 (5 itens) e €55 (6).

Logo pelo enunciado se topa o estilo. A única curiosidade da "sardinha assada em broa de Avintes com os nossos legumes avinagrados em conserva" (€8) foi a de cenoura, pimento, rabanete e couve-flor virem mesmo numa latinha de conserva. Todos corretos mas um excesso barroco de ajuntamento nos "bochecha de bísaro guisada em verde tinto, filhoses com cominhos e canela, leite-creme com louro e limão, rojões da região" (€9); só faltou o caldo verde em shot... Bonito e sedutor o "linguado de areia num abraço ao lagostim, camarões de Espinho, linguini de legumes em molho de funcho" (€10). Matéria-prima qualificada e combinação feliz no "foie gras simplesmente corado, pêssego caramelizado em sabores de moscatel, lâminas de massa folhada" (€11). Molusco boníssimo, crustáceo talvez mal empregado para recheio no caso do "lavagante num cannelloni de beterraba, vieira corada sobre guacamole" (€12).

A "pescada arrepiada no forno em crosta de bacalhau, chícharos e rutabaga com creme de agrião" (€18) mostrou-se competente e acompanhada com originalidade. Companhia invulgar e rica (embora os percebes de presença meramente simbólica) no dois-em-um "atum e salmonete grelhados no forno com flor de sal, milhos fritos, beldroegas e percebes" (€22), belíssimos os peixes. O "rodovalho entremeado de sapateira, aipo num puré trufado, salicórnia e molho de açafrão" (€22) a exibir-se a grande altura, também por mor da assessoria. Não obstante o lombo ligeiramente seco, a pouca perceção da ervilha torta e a dispensabilidade da baunilha, não deixou de agradar o "carré de cordeiro assado, lombo confitado, migas soltas de ervilha torta e azeitonas, puré de cenoura e baunilha" (€21). A "vitela mirandesa, batatas, cebolinhas e presunto numa espetada, pequenos legumes e gemas de seis horas" (€22) surpreendeu por estas últimas, de acentuada cremosidade para barrar tostinhas, e revelou carne categorizada na posta e num brinde de costela.

Seis sobremesas doces, um bocado na base de fruta e gelado. Carta de vinhos dividida por tipologia, com o total de 88 tintos, 67 brancos, 9 champanhes e 11 espumantes. Serviço de muito bom nível.

Em cômputo geral, os cinco convivas auferiram uma grande refeição. Pedro Lemos, além da técnica óbvia e da criteriosa seleção de ingredientes, demonstra capacidade inventiva e domínio das associações surpreendentes, sem perder as origens. Mais um grande restaurante, para proveito do Porto e nosso.

Texto publicado na edição da Única de 11 de setembro de 2010