9 janeiro 2011 11:14
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Depois do Fim da História, de Francis Fukuyama e do Choque de Civilizações, de Samuel Huntington, Dominique Moïsi, reconhecido especialista em geopolítica e fundador do IFRI (Institut Français des Relations Internationales), prefere falar de um choque de emoções, identificadas como a esperança, a humilhação e o medo. O autor explica porquê logo no primeiro capítulo do seu livro La Géopolitique de l'émotion. "Escolhi, neste livro, de me concentrar sobre três emoções primárias: a esperança, a humilhação e o medo. Porquê estas três? E não a ira, o desespero, a inveja, o ressentimento, a raiva, o amor, a honra, o desejo de solidariedade, e que mais? Uma razão guiou a minha escolha: estão as três intimamente ligadas à noção de confiança".
"A esperança é a expressão própria da confiança; funda-se na convicção que hoje é melhor do que ontem e que amanhã será melhor do que hoje. A humilhação é a confiança traída dos que perderam a esperança no futuro; se perdeu a esperança, é por culpa dos outros, dos que o maltrataram pelo passado. Quando o contraste entre as frustrações do presente e um passado glorioso e idealizado se torna muito forte, a humilhação prevalece. Quanto ao medo, é a ausência de confiança; viver sob a acção do medo, é não somente preocupar-se com o presente, mas esperar um futuro ainda com maiores perigos", explica.
Moïsi associa cada uma destas emoções a um conjunto geopolítico e traça no actual cenário da globalização um mapa de emoções. A esperança é para os países da Ásia, em especial a China e a Índia; a humilhação caracteriza o mundo árabe e muçulmano; e o medo invade a Europa e os Estados Unidos. Mas deixa de fora outras zonas do Mundo, como a Rússia, a África sub-sahariana e a América Latina. Naturalmente, o livro não foi bem recebido nalguns círculos académicos, porque se posiciona directamente contras os métodos analíticos quantificáveis que predominam no âmbito das relações internacionais. Os que trabalham com dados concretos para fazer as suas prospectivas consideram que analisar a importância das emoções equivale a fazer uma espécie de ensaio literário baseado em apreciações subjectivas.
Pelo contrário, o autor está consciente de que os comportamentos humanos não podem ser reduzidos a esquemas racionais. Os comportamentos emotivos podem pesar mais na altura em que se actua, muito mais inclusivamente que as ideologias, as quais tiveram um papel de relevo no período da guerra fria. Hoje, tudo se concentra na busca da identidade, pelo que os nacionalismos de carácter étnico se multiplicam à escala universal. Estamos perante o "despertar global" a que se referia o politólogo e assessor de Obama, Zbigniew Brzezinski, e que o mesmo tanto pode ser encontrado em potências emergentes, como em movimentos secessionistas.
O medo pode ser um acicate para activar o instinto de sobrevivência, igualmente na política internacional. Um exemplo bem conhecido é que o receio de uma nova guerra serviu de trampolim para iniciar o processo de integração europeia, há seis décadas. O resultado foi que a Europa se converteu na região mais pacífica e próspera do planeta. Mas também não é menos verdade, tal como foi referido pelo desaparecido historiador e político polaco Bronislaw Geremek, que a Europa se veio a transformar num espaço económico, sem coração nem dimensão espiritual. Além disso, desde há algum tempo que tem vindo a questionar a sua própria identidade.
Apesar de tudo, Dominique Moïsi inclina mais a balança para os Estados Unidos, em contaste com uma Europa apertada pelo medo. Os norte-americanos irão superar os problemas devido ao seu próprio dinamismo, pois, ao fim e ao cabo, são um país de imigrantes, enquanto a Europa continua a agarrar-se ao seu estatuto de fortaleza. O autor não deixa de o sublinhar, embora seja bastante provável a existência de um vínculo entre a ascensão das emoções e o crescente reinado absoluto da opinião pública à escala global, muito relacionada com o poder dos meios de comunicação social.
Recensão adaptada de o Correio da AESE e do livro La Géopolitique de l'émotion (Flammarion, Paris, 2008)