Falta de castigo

Quadrado ou mirrado?

7 setembro 2010 18:00

José Alberto Quaresma (www.expresso.pt)

Dji Djé, uma antiga glória do Portimonense nos anos sessenta, assim que me viu, arremeteu sinalizando a minha cintura industrial: "Quadrado!?"

7 setembro 2010 18:00

José Alberto Quaresma (www.expresso.pt)

O amigo já me não via há uns meses. Devolvi-lhe o piropo, esticando o dedo na direcção da sua ossamenta, chutando de imediato um petardo de pólvora seca: "Mirrado?!" O antigo guarda-redes, cinquenta anos depois, não encaixou a grande penalidade. Tremelicou, esboçou duas caretas, mudou de assunto. Mamou um a zero ao primeiro minuto de jogo.

Há uma tradição bem portuguesa, vinda do lado da juventude de todas as eras, que torna irreprimível a vontade de achincalhar o amigo, na presença de terceiros, pelas suas pequenas ou grandes deformações físicas. A tentativa de ridicularizar a alteração de volume é especialmente querida para provocar a chacota geral e a atrapalhação do visado. Quem não conheceu um "Manuel Baleia" ou uma "Maria Balofa" carregando peso e estigma até à beira da cova?

Do denso dos meus 112 quilogramas, já me não deixo intimidar com as pequenas provocações benignas de amigos ou conhecidos. Desenterro logo da carcaça resposta pronta. E, muitas vezes, tão excessiva como o gradual inchamento que fui conquistando a partir dos quarenta anos, à custa de muitas sedentárias e calóricas dietas de "slow food".

Quadrado estou. Mirrado estarei. Será sina. Não fui, para os meus alunos, um bom exemplar das boas práticas de alimentação equilibrada e exercício regular. Fui irregular no exercício, depois de basquetebolista federado. Desequilibrado na dieta quando o corpinho começou a assimilar tudo o que abocanhava. Nunca recusei um naco de "foie gras", acompanhado de um "late harvest", entre outros mimos prenhes de gorduras saturadas.

O que me preocupa a sério é ver jovens de menos de vinte anos em Portugal, quase um terço de cada cem, a carregarem o brutal peso do seu peso. Gordos são. Gordos serão. A maior parte goza do beneplácito flatulento dos seus pais: "ai o meu menino é gordinho, rosadinho, bem criadinho, graças a Deus!"

É certo que o menino sempre faz, como eu, algum exercício físico. Clica milhões de vezes o rato do computador com o indicador direito. Transpira, estirado no sofá, bagas de sebo a ver o Cristiano Ronaldo a galope em direcção à baliza adversária.

Resta-me a consolação que o menino, se tiver a sorte de chegar à idade madura como eu, já não será interpelado com um "quadrado!" acintoso. Ninguém reparará nele. Serão muitos. Serão o normal lusitano. Redondo ou quadrado!