O Vento nas Velas

MATSUO BASHÔ, poeta japonês

22 dezembro 2010 9:00

Leonilda Alfarrobinha

Suposto local de nascimento de Bashô, em Iga

O ritmo na poesia tradicional portuguesa é marcado, geralmente, por versos de cinco e de sete sílabas métricas. Na poesia tradicional japonesa também assim é. As origens da poesia japonesa perdem-se na noite dos tempos, mas desde épocas remotas que os ritmos preferidos pelos poetas japoneses se concretizam em versos de cinco e de sete sílabas, como se pode ver em antologias organizadas a partir do século VIII .

22 dezembro 2010 9:00

Leonilda Alfarrobinha

Na Arte Breve da Lingoa Japoa, obra do Padre Jesuíta João Rodrigues publicada em Macau, em 1620, faz-se referência ao estilo poético japonês que se caracteriza pelo uso de versos " de sinco & sete syllabas, que nesta lingoa fazen muito boa cadencia". Esta Arte Breve da Lingoa Japoa é a primeira Gramática alguma vez elaborada sobre a língua japonesa. Foi feita por um português, João Rodrigues, apelidado Tçuzu (o Intérprete), missionário jesuíta que viveu largos anos no Japão e se debruçou sobre o funcionamento daquela língua oriental. Mas não é sobre esta obra que quero falar agora. Apenas me lembrei dela porque penso que é a primeira obra escrita em português em que há referência à poesia japonesa.

Hoje falarei de um grande poeta do Japão, tão famoso naquele país como Camões o é em Portugal. Matsuo Bashô nasceu em 1644, na pequena cidade de Ueno, na província de Iga e faleceu em Osaka, em 1694. O seu nome de nascimento era Matsuo Kinsaku, mas, muitos anos depois, quando já era um conhecido poeta, mestre na sua arte, adoptou o pseudónimo de Bashô, agradecido aos seus discípulos que tinham plantado uma bananeira de jardim (bashô) junto da sua modesta habitação. A vida de Bashô foi uma permanente caminhada em busca do conhecimento e do contacto com a Natureza, procurando atingir a perfeição na expressão poética, tendo conferido grande beleza e dignidade literária ao género poético designado haiku ou haikai. Este género poético continua na linha da poesia tradicional japonesa. É um dos mais notáveis géneros poéticos da literatura universal e, possivelmente, aquele que apresenta a forma de expressão mais breve e concisa. Cada poema é constituído por dezassete sílabas métricas distribuídas por versos ou segmentos de 5-7-5 sílabas. Teve origem numa forma poética mais antiga, o tanka, que é constituído por trinta e uma sílabas distribuídas por cinco versos de 5-7-5-7-7 sílabas métricas.

No haiku, encontramos a simplicidade, a concisão, o sentimento da Natureza. Pressupõe, no poeta, uma atitude de contemplação e de despojamento e o sentido da permanência e da mudança. Para se alcançar a beleza subtil desta forma de poesia é necessário aprender a respirar em uníssono com a Natureza. O haiku nasce de um acontecimento vivenciado, surge a partir de um momento concreto que se viveu e que impressionou os nossos sentidos e o nosso espírito. Em poucas palavras, o poeta tenta transmitir, ou melhor, sugerir a essência do acontecimento breve que o impressionou.

Muitos dos haiku de Bashô estão incluídos nos diários que escreveu durante as várias viagens ou peregrinações que realizou através do Japão. Assim, pode considerar-se Bashô não só como um poeta mas também como um prosador de apurado sentido estético, criador de um estilo que será modelo para muitos escritores em sucessivas gerações. A sua obra mais conhecida, Oku no Hosomichi, (traduzida para português com o título O Caminho Estreito para o Longínquo Norte), conta-nos, em forma de diário, intercalando poemas em pequenos textos em prosa, a sua longa viagem por diversas regiões do Japão.

Muito haveria a dizer sobre este poeta considerado um dos grandes mestres da poesia japonesa, mas o melhor é dar a ler alguns dos seus haiku (escolhemos a tradução de Luísa Freire, em Imagens Orientais).

Crisântemo branco -



nem um só grão de poeira



a vista descobre



Outono já frio;



eu penso no meu vizinho -



como viverá?



No meio da planície



uma cotovia canta,



liberta de tudo.



A primeira neve:



tal basta para dobrar



as folhas dos lírios.







Coordenação



Cristina Castel-Branco e João Paulo Oliveira e Costa



Assistência Tecnica



Inês Pinto Coelho e Margarida Paes



Colaboradores



Alexandra Curvelo, Ana Fernandes Pinto, Leonilda Alfarrobinha, Pedro Canavarro, Ayano Shinzato D. Pereira, Alberto Vaz da Silva, Ana Maria Ramalho Proserpio, Alexandre Pereira, Ana Sofia Guerreiro, Manuel Gervásio de Almeida Leite