O Vento nas Velas

Caminhos da Terra Florida - parte II

28 setembro 2011 10:00

Ingrid Bloser Martins

Com estas linhas desejo expressar a minha mais profunda homenagem ao corajoso Povo do Japão.

28 setembro 2011 10:00

Ingrid Bloser Martins

Só a fidelidade à tradição e o alvoroço pelo modernismo demasiado, tão tipicamente mesclado no carácter japonês, oferecem uma explicação aos contínuos ritos de adoração da terra - furusato (a terra natal, o berço, a terra do "meu" coração). E aqui realço as flores das cerejeiras, que são o orgulho máximo do Japão. Hana-ni, o passeio para ver as cerejeiras em flor, é a coroação da Primavera, e assim a sakura, a cerejeira, transforma todo o país numa terra de maravilhas, doçuras e encantamentos, que dão origem à designação do Japão como "o país das cerejeiras".

Presume-se que as mais extravagantes hana-ni tiveram lugar durante o séc. XVI, precisamente no período Nanban, ou seja, no período do comércio com os "bárbaros do Sul", como foram designados os primeiros europeus, sobretudos portugueses, que chegaram ao Japão.

Porque será então que uma pequena flor provoca um tal entusiasmo em todo um grande império? A sakura para as mulheres significa pureza; para os homens simboliza a honra e a fidelidade ao dever.

Nos velhos tempos heróicos, o samurai era comparado à sakura, aprendendo a arte da guerra, numa preparação intensa de toda a mocidade, para um dia cair, gloriosamente e na flor da idade, pelo seu senhor. Por isso, para um japonês é difícil partilhar com os europeus a admiração e a preferência pelas suas rosas, a que falta simplicidade.

E ainda têm espinhos escondidos debaixo da sua aparente doçura, traduzindo a tenacidade com que se agarra a sobrevivência, com medo de morrer prematuramente. As suas cores vistosas, o seu pesado e penetrante perfume, são características que estão longe de uma flor como a da cerejeira, que não carrega uma espada debaixo da sua beleza, que está sempre pronta a deixar a vida conforme o chamamento da natureza. Essa beleza da cor e da forma da flor da cerejeira é "limitada" na sua aparência, é uma qualidade fixada na existência, com uma fragrância fugaz e celestial, como o sopro da vida.

Assim, se este breve prazer acaba, depois de uma alegria tão imensa que alastra todos os anos, podíamo-nos questionar: debaixo das ramagens cor de nácar, esta flor tão doce e tão evanescente, será a alma do Japão, tão fragilmente mortal?

Analisemos este haiku, poema japonês de dezassete sílabas, da autoria de Issa (1763-1826):

Daimyo wo

uma kara orosu

sakura hana

Que se pode traduzir assim:

As flores das cerejeiras

fizeram desmontar

o dáimio do seu cavalo

O poema traduz a subserviência do homem à natureza como um importante exemplo de que o mestre tem de servir a todos. Pondo em relevo tais comportamentos singelos e tão subtis no ensinamento para caminhar pelo mundo, reconhecemos que a contemplação da vida a que gerações do povo japonês souberam e saberão sempre, renovadamente, recorrer, está em sintonia com a solidariedade colectiva, e para honrar o conceito ganbaru (explicado na Parte I).

Não há povo que tanto ame a terra e sorria aos deuses.

Armando Martins Janeira





Coordenação



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Assistência Tecnica



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Colaboradores



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