O Vento nas Velas

Caminhos da Terra Florida - parte I

23 setembro 2011 10:00

Ingrid Bloser Martins

Caminhos da Terra Florida é o título da primeira obra de Armando Martins Janeira inteiramente dedicada ao Japão.

23 setembro 2011 10:00

Ingrid Bloser Martins

Um desses Caminhos da Terra Florida é o Shinto, que se traduz literalmente por "caminho dos deuses" e constitui a base da espiritualidade daquele país do longínquo Oriente.

O xintoísmo, ou sintoísmo, que se caracteriza pelo culto à natureza, precede a introdução do budismo no Japão, e, embora de certa forma modificado, continua a existir ainda hoje. O centro do culto xintoísta é o grande templo de Ise, onde se adora a Deusa do Sol, Amaterasu-Omi-Kami. O 125.º ascendente, por linha directa, é o actual Imperador do Japão. De acordo com a antiga tradição, à frente do Grande Templo de Ise está uma sacerdotisa, uma princesa, tia do Imperador. É natural que o culto de uma deusa seja confiado a uma mulher. Ao contrário das religiões ocidentais, que proclamam que Deus é um ser acima dos homens, o xintoísmo, como o budismo, vê a divindade no homem e na natureza.

Depois da Segunda Guerra Mundial, as forças da ocupação americana procuraram diminuir certas estruturas da sociedade japonesa e individualizá-la. Agora, depois da tragédia generalizada que há seis meses assolou a nação japonesa, é o próprio xintoísmo, com os seus atributos de simplicidade, clareza directa, sinceridade e pureza, que nos leva a compreender, mais facilmente do que nunca, a impressionante reacção deste povo face à catástrofe, tolerando a dor e o luto numa prova da sua consciência colectiva. O tsunami, a onda sísmica solitária, a "vaga grande" do maremoto, é uma palavra antiga japonesa, magnificamente representada na arte já em 1825, através da gravura em madeira, ou ukiyo-e, do artista Katsushika Hokusai (1760-1849). Paralelamente, ganbaru - que quer dizer "insistir", "teimar", "conseguir vencer" - é uma palavra que as crianças japonesas aprendem logo no jardim infantil. Em última instância, significa que se consegue superar qualquer situação difícil. A História do Japão, nomeadamente a mais recente, tem confirmado isso mesmo.

Relendo Wenceslau de Moraes e Armando Martins Janeira, no meu recolhimento, no Estoril, dei com o capítulo do primeiro português que subiu a pé ao cimo do sagrado Fujiyama, a montanha mais alta do Japão. Antigamente, antes de se empreender a subida, tinha de se ser purificado. Em busca de uma maior comunhão com as tradições, a fé lendária e os mitos que alimentam a imaginação e os corações do povo japonês, Armando Martins Janeira chega ao cimo da montanha que habitavam os velhos deuses nipónicos com uma emoção que não é, pois, de admirar. Por outro lado, expressa Armando Martins Janeira com o seu espírito de grande pensador:

Esse prazer pleno de gozar a natureza, e o privilégio de pertencer-lhe, é pago em sofrimento. Mas o sofrimento natural aperfeiçoa e purifica - é o sofrimento infligido ao homem pelo homem que é monstruoso e avilta. Se sofrem os animais, se as árvores secam e caem, é também justo que o homem sofra dessa dor natural que amadurece e depois destrói. Assim é justa a Morte.

(Peregrino, Pássaro de Fogo, 2008, p. 65.)

Para saber mais sobre a vida e obra de Armando Martins Janeira veja aqui





Coordenação



Cristina Castel-Branco e João Paulo Oliveira e Costa



Assistência Tecnica



Inês Pinto Coelho e Margarida Paes



Colaboradores



Alexandra Curvelo, Ana Fernandes Pinto, Leonilda Alfarrobinha, Pedro Canavarro, Ayano Shinzato D. Pereira, Alberto Vaz da Silva, Ana Maria Ramalho Proserpio, Alexandre Pereira, Ministro Arai Tatsuo, Ana Sofia Guerreiro, Manuel Gervásio de Almeida Leite, Yvette Centeno, Guilherme d´Oliveira Martins, Embaixador José Mello-Gouveia, Diogo Santos, Paulo Carmo, Ingrid Bloser Martins