Opinião sem cerimónia

Proibimos vistos a russos. E a seguir impedimos que se leia Tolstoi?

Proibimos vistos a russos. E a seguir impedimos que se leia Tolstoi?

Duarte Marques

Ex-deputado do PSD

Estas tentações mais radicais são inaceitáveis, será que a seguir nos tentarão proibir de ler Tolstoi? De ouvir Tchaikovski ou de ver o seu Lago dos Cisnes? Ou, pior, de comer strogonoff? O radicalismo cega e por vezes revela os nossos maiores defeitos. Seria embaraçoso ter cidadãos russos a recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Humanos, com sede em Estrasburgo, por desrespeito pelos mais básicos princípios da União Europeia, e a ser-lhes dada razão

As guerras são normalmente estúpidas mas quando são injustificadas, como a atual entre a Rússia e a Ucrânia, tendem a provocar outros erros e a levar a que se cometam atitudes verdadeiramente inacreditáveis. Esta enxurrada positiva dos países e opiniões públicas do Ocidente a favor da Ucrânia tem mostrado o DNA do projeto europeu e há claramente uma esmagadora maioria que está do lado certo e correto da história. No entanto também se leva a alguns exageros, como fechar os olhos a alguns disparates, manipulações ou atrocidades feitas também por ucranianos, pois numa guerra raramente todos respeitam os limites, ou aceitar e cumprir tudo o que Zelensky nos pede. O último exemplo vem da inaceitável proibição da atribuição vistos a cidadãos russos.

Alegadamente, no final do mês, o Conselho da UE irá discutir uma proposta sobre a limitação de vistos turísticos a cidadãos russos que pretendem deslocar-se a países europeus. Se se compreende algum exagero de Estados-Membros que fazem fronteira com o território russo, sobretudo os que fizeram parte da União Soviética, como a Letónia ou Lituânia, que vivem sob a ameaça permanente de invasão russa, já não se compreende que apenas Portugal e a Alemanha se tenham manifestado desde já contra a possibilidade de suspender os vistos para todos os russos.

Uma coisa é pedir mais rigor na seleção das pessoas e na deteção dos oligarcas, altos funcionários do regime russo, políticos, militares, agentes da propaganda ou de qualquer outra responsabilidade na atrocidade que Putin está a cometer na Ucrânia. Outra completamente diferente, e contrária aos valores da União Europeia e da sua Carta dos Direitos Fundamentais (Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (europa.eu), é praticar um claro ato de xenofobia "patrocinado" pela União Europeia. Seria embaraçoso ter cidadãos russos a recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Humanos, com sede em Estrasburgo, por desrespeito pelos mais básicos princípios da União Europeia, e a ser-lhes dada razão.

Estas tentações mais radicais são inaceitáveis, será que a seguir nos tentarão proibir de ler Tolstoi? De ouvir Tchaikovski ou de ver o seu Lago dos Cisnes? Ou, pior, de comer strogonoff? O radicalismo cega e por vezes revela os nossos maiores defeitos. Se aos cidadãos são permitidas posições pouco refletidas, aos Estados, e sobretudo aos Estados Membros da União Europeia exige-se mais, mais responsabilidade e mais conhecimento do que são os princípios fundamentais do projeto europeu.

Há milhões de russos que são contra esta guerra e contra o regime de Putin, vivam na Rússia ou na sua diáspora, como em Portugal. Ser russo não significa ser "discípulo" ou cúmplice da nomenclatura russa. Os mais simples cidadãos russos não têm qualquer culpa sobre o que se está passar pelo que não poderão sofrer qualquer penalização direta imposta pela UE. Já bastam as consequências indiretas que os embargos externos ou que as despesas da guerra terão nas suas condições de vida.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários

Assine e junte-se ao novo fórum de comentários

Conheça a opinião de outros assinantes do Expresso e as respostas dos nossos jornalistas. Exclusivo para assinantes

Já é Assinante?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate
+ Vistas