Politicoesfera

Fiscalização do OE 2014: o divórcio entre Cavaco Silva e Passos Coelho é inevitável?

25 novembro 2013 1:23

João Lemos Esteves

25 novembro 2013 1:23

João Lemos Esteves

1. Uma boa decisão: o Presidente da República enviou a regra do Orçamento de Estado que determina a convergência do sistema de pensões (ou seja, o célebre corte de 10% nas pensões) para apreciação, preventiva, do Tribunal Constitucional. O Presidente da República junta-se, desta forma, à oposição na contestação da constitucionalidade desta regra constante da Lei Orçamental, invocando, sensivelmente, os mesmos argumentos. Resumindo, o Presidente da República, no seu requerimento, alega que o corte nas pensões é, na prática, um imposto sobre o rendimento e, nos termos da Constituição, o rendimento só pode ser tributado em sede de IRS - não poderá, pois, ser criado imposto suplementar sobre o rendimento de pessoas singulares; como é imposto, tem de respeitar o princípio da capacidade contributiva - isto é, as pessoas só devem pagar ao Estado aquilo que podem, a obrigação fiscal de cada cidadão é limitada pelo valor do seu património; enfim, o corte nas pensões corresponde a uma violação ao contrato assumido entre o Estado e os pensionistas que descontaram ao longo da sua vida activa, sendo a sua alteração unilateral em sentido negativo por parte do Estado contrária ao princípio da tutela da confiança, na vertente do princípio da proporcionalidade. Vamos até mais longe: o Presidente da República foi mais prolixo e mais contundente, na argumentação constante do seu requerimento de apreciação da constitucionalidade desta regra do Orçamento de Estado para 2014, do que a própria oposição. Significará esta uma ruptura total com o Governo Passos Coelho? Creio que não. Porquê? Porque, em comparação com o pedido que o Presidente efectuou em relação à Lei Orçamental que vigora no presente ano, o impacto orçamental do novo pedido é até inferior. E, por outra banda, o Presidente suscitou a fiscalização preventiva (isto é, antes de a Lei Orçamental entrar em vigor) em detrimento da fiscalização sucessiva (depois de a Lei entrar em vigor), o que permitirá ao Governo encontrar uma solução alternativa ainda antes de o Orçamento entrar em vigor. Solução essa que o Governo poderá encontrar ainda durante este ano civil, pois, tratando-se de fiscalização preventiva, o Tribunal Constitucional terá de decidir no prazo máximo de 25 dias - donde, a decisão será conhecida ainda antes do Natal, dispondo o Governo de quase duas semanas para alterar a regra do orçamento em caso de pronúncia pela inconstitucionalidade. Muito curioso é tentar perceber a razão pela qual Cavaco Silva optou desta feita pela fiscalização preventiva e não pela fiscalização sucessiva.

Na nossa opinião, Cavaco actuou motivado por três factores essenciais:

i) No ano passado, Cavaco Silva ao promulgar o Orçamento e só depois suscitar a fiscalização sucessiva sofreu um desgaste mediático significativo, caindo a sua popularidade para níveis incrivelmente baixos. Cavaco Silva, este ano, considerou que seria muito negativo, o Presidente da República sofrer novo desgaste, numa altura em que as instituições democráticas estão com um débito enorme de credibilidade junto dos cidadãos portugueses;

ii) Adicionalmente, num momento em que muito se fala de violência social e a imagem sempre preocupante da subida escadaria da Assembleia da República pelos polícias manifestantes (que, aliás, quanto às razões de fundo têm toda a razão no seu protesto, ideia que desenvolverei em próximo texto) continua a marcar a agenda política, eis que Cavaco Silva dá um sinal de que está presente nos assuntos correntes da vida nacional e que as instituições estão a funcionar. E, como sabe que o Tribunal Constitucional é o órgão constitucional mais bem visto pelos portugueses, passa a palavra final sobre uma medida socialmente injusta para este órgão;

iii) Por último, Cavaco Silva quer encerrar o (longo) debate em torno da legitimidade ou não do Tribunal Constitucional. Isto, em primeiro lugar, porque tem surgido opiniões e comentários de gente com responsabilidade excessivamente truculentos face à intervenção do Tribunal Constitucional, que, apesar de tudo, é um órgão de soberania. Por outro lado, o Governo tem passado demasiado tempo a criticar o Tribunal Constitucional: no último mês, praticamente todas as intervenções de Passos Coelho e dos seus Ministros têm versado sobre o Tribunal Constitucional e o sentido da decisão. Ainda para mais, para afirmar que o Governo não tem plano B - o que objectivamente é uma pressão sobre o Tribunal Constitucional. Cavaco Silva está a dizer a Passos Coelho que a sua função é governar - não andar a brincar às críticas ao Tribunal Constitucional. O que significa que o Presidente vai avaliar muito bem como o Governo reagirá à decisão do TC, podendo esse juízo ter consequências políticas em 2014.

Para concluir, devemos, a propósito, aditar que a reacção do Governo à fiscalização da constitucionalidade pedida pelo Presidente da República tem sido desastrosa. Desenvolveremos amanhã esta ideia.

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