O modo do tempo

São Tiago

27 julho 2013 9:00

António de Castro Caeiro

27 julho 2013 9:00

António de Castro Caeiro

Nas angústias de dinheiro, chega algum inesperado. Nenhuma boa notícia com a doença. O último diagnóstico não traz um veredicto fatal. É bom. Procurou toda a vida salvaguardar os seus interesses. Mas nunca mudou de nenhum. O velho funcionário que lutou tanto pela reforma não chegou a receber a primeira mensalidade.

Preparavam-se viagens de Verão. Era aquela. Era aquele. A avó ia ver o neto finalmente e os pais reconciliaram-se. De uma e de outra família. Há quem jogue a olhar para um computador. Há quem leia o jornal. Toma-se um café, água ou o que quer que o bar ofereça. Há quem vá chegar para partir e há quem chegue para ficar.

Havia velhos e novos, homens e mulheres. De certeza, diversos povos. Talvez etnias, algumas diferentes. Quando se atravessa a Península Ibérica tudo pode acontecer na cabeça das pessoas. O deserto leva ao mar e o mar só não se interpõe à França.

Quantas músicas estão a ser ouvidas nos headphones?Quantas notícias estão a ser lidas, quantos negócios estão a ser tratados?

Quantas decisões estão a ser tomadas entre pessoas que vivem à distância e se vão encontrar e entre outras que viajam para ficar? Quantas decisões estão a ser tomadas entre pessoas que viajam juntas? Quantas vão assim permanecer: juntas? Quantas se vão separar?

Num momento não se pensa senão no conteúdo do momento. E toda a vida é tudo. E há a curva. A curva por que se é levado. E que alguém queria curvar quando percebe que segue em frente.

Num ápice: não há viagens de Verão, não há aquela ou aquele. A avó não conheceu o neto. Os pais não se reconciliaram. Não há famílias senão truncadas. Não há computadores. Não há angústias de dinheiro, nem crise: só uma chiadeira infernal e Dante a descrever o sucedido.

Não há momento. Não há conteúdo. Não há Península Ibérica. Não há mar. Não há possibilidade de mar. Não há nada.

Dos escombros ergue-se uma figura ensanguentada. A piedade e a misericórdia voam para as famílias de quem não chegou e ficou fundido no aço, nos carris, no cais.

 

São Tiago, contudo, ajoelha-se. Reza por quem foi instrumento da morte dos viajantes.