Juntos, tocamos a lua

Chimborazo - the comeback, o fim!

11 março 2014 11:51

11 março 2014 11:51

Um abraço desajeitado. O coração foge-nos outra vez. Trocamos de coração como se fossem cromos. Foto. Foto. Foto.

07.45h: "Hay que bajar", diz-nos o Marcial, stressado com a hipótese de avalanches potenciadas pelo sol. "Rapido". Problema: gerimos a nossa energia vital para a subida do Chimborazo, não para a descida. Esgotou-se a energia, não há um helicóptero para nos tirar daqui? Não.

08.00h: A descida é infernal para os joelhos mas cada passo titubeante tem de ser seguro.

09.00h: Temos uma hora para sair do glaciar antes de o sol atingir em pleno a vertente pela qual descemos. Tropeçamos, caminhamos, resvalamos, arfamos, nada feito. Estamos ainda na montanha, somos nós que temos de nos despachar. 

10.00h: Estamos quase a sair do glaciar. Acaba-se a água. Tiramos os "grampons". Os VdAlpinistas separam-se: o João segue à frente, procurando focar os últimos restos de energia; o Joaquim parece bem, segue em passo seguro mas cuidadoso, atento aos joelhos; o Miguel fica para trás, a bufar de calor, despe o anorak. A desidratação começa a cobrar o seu preço ao João. Perante os seus olhos começa a ganhar forma um mundo agitado e multicolor. Uma estância de esqui alpino  - completa, com cafés, pistas e bandeiras coloridas, filas para o teleski, aglomerados no princípio das pistas - revela-se no fundo do vale. Pessoas e animais cruzam-se ao longo da descida. Quatro turistas, sentados numa pedra, fitam-no interessadamente durante longos minutos, enquanto ele progredia na encosta. Educadamente (ainda que desconfiado), o João acena ao de leve com a cabeça. Pedras. São pedras, são tudo pedras, a montanha está repleta. 

11.00h: Entramos no cascalho, o sol começa a apertar. Pedras grandes, pequenas, redondas, quadradas, castanhas, amarelas, encarnadas, bicudas, lisas, rugosas, todas conluiadas para nos fazer escorregar, deslizando debaixo dos nossos pés, rolando encosta abaixo, ciumentas do gelo que nos atormentou durante a noite e apostadas em vencer o campeonato da tortura. Há que lhes conceder o primeiro lugar, ok, são piores do que o gelo. E as botas, as malditas botas rígidas, parecemos evadidos de uma clínica de fisioterapia com pés de gesso. Duas meias grossas de lã a destilar ao sol do Equador. Do equador com minúscula.

11.30h: Os carros estão à vista, o fim da pendente aproxima-se, a boca sabe a poeira. Entre o fim da pendente e os carros medeia uma planura de terra seca, uma distância equivalente a três campos de futebol.

12.00h: O João atravessa a planura, entra no autocarro e atira-se para um banco. O Joaquim chega pouco depois, entra e pergunta perplexo ao João: "o que foi isto pá?". O Miguel, do outro lado da planura, vê que o autocarro se movimenta e senta-se, disposto a esperar o resto do dia. Apanham-no pouco depois. Os três trocam olhares incrédulos como se tivessem acabado de testemunhar a travessia a pé do Mar Vermelho. "High fives". A cabeça estala de sono e cansaço.

12.30h: Há que definir a logística do regresso. Temos 8 horas para estar no aeroporto, estamos a 4 horas de Quito, encontramo-nos impróprios para consumo, suados, cobertos de poeira e com quatro camadas de roupa a mais. O nosso guia Marcial ri-se. O Victor liga à Juanita e jura-lhe que hoje sim, vai dormir a casa.

13.00h: Arrancamos do Parque Nacional em direção a Ambato, vamos tentar alugar quartos num hotel barato a caminho para tomar um duche, mudar de roupa e organizar as malas. Temos de passar no hotel de Quito para recuperar os nossos passaportes que deixámos na segurança de um cofre. E vamos tentar comer alguma coisa porque não conseguimos engolir nem mais uma migalha de barras energéticas.

14.30h: Hotel em Ambato, duche rápido, roupa dividida entre infecta, muito suja, suja e manchada. Sobra uma camiseta lavada para vestir.

16.00h: Paragem num centro comercial à beira da estrada em busca de um McDonalds. Não há. Mas há um TropiBurger. Hamburgers duplos com queijo, bacon, maionese, ketchup e muita batata frita. Felicidade.

16.30h: Voltamos à estrada, com destino a Quito, para recuperar os passaportes.

19.00h: Passaportes no bolso, arrancamos para o aeroporto. O voo é às 21.20h. Trânsito infernal.

20.15h: Check-in na Iberia, just in time.

21.00h: Embarcamos no avião. O "click" do cinto de segurança marca o fim de uma jornada alucinante. Os outros passageiros cirandam no corredor, ajeitam malas nos compartimentos de bagagem, consolam crianças lacrimejantes, pedem jornais. Nós escorregamos para um torpor morno, a lombar finalmente bem amparada. Acordem-nos se o mundo acabar.

Acordamos 9 horas depois, quase a chegar a Madrid. Atravessam-nos imagens soltas do Chimborazo, como se fossem cenas de um filme com atores que conhecemos da televisão. Fomos nós.

Voo para Lisboa, não chega a uma hora, já não dá para dormir. Aeroporto da Portela, caras amigas da VdA e família esperam-nos, beijos e abraços, foto.

O espanto de um sofá. De um tapete. E de uma moldura. De um duche, conhecido. A almofada, caramba, a importância de uma almofada. Black out.

A manhã de Domingo é estranha, estranhamente calma. Por aqui continuou tudo, e se calhar continuaria, como se nunca tivéssemos ido. Mas fomos.

***