Crónicas de uma Muçulmana

Tenho 14 anos, fumo, bebo e sou muito 'cool'

20 abril 2012 0:10

Faranaz Keshavjee (www.expresso.pt)

20 abril 2012 0:10

Faranaz Keshavjee (www.expresso.pt)

O problema é que tudo começa cedo demais e este modelo de precocidade na emancipação do adolescente pode trazer consequências nefastas nas suas vidas. A mim, isto preocupa-me. 

São muitas as histórias de viagens de finalistas (que acontecem hoje em dia no fim de cada ciclo!) onde miúdos de 14/15 anos consomem substâncias ilícitas e têm, nalguns casos, finais trágicos. O facto de ter uma filha adolescente e sentir que estou muito próxima destas realidades, sobretudo porque tendo ela participado numa destas viagens e sido vítima de violência por parte de uma colega alcoolizada com vodka puro, levou-me a reflectir sobre o fenómeno do consumo de alcóol e drogas em idades muito precoces.

O que promove este tipo de comportamentos? A quem devemos responsabilizar? Aos pais? À sociedade? Hábitos culturais? À pressão social do grupo onde se querem integrar? À re-invenção da identidade própria?

Entendo que o fenómeno do consumo deste tipo de substâncias em idades muito jovens não é exclusivo a Portugal, nem é um fenómeno de agora. Provavelmente, tem a ver com todas as questões levantadas. Lembro-me da minha adolescência e de ver colegas, talvez um pouco mais velhos, fazendo coisas parecidas. Lembro-me de ter tido a minha prova, mas numa fase de estudante universitária, e não tanto 'hardcore' (não é que me orgulhe disso; só não calhou). Provavelmente a geração do meus pais tivesse assistido a experiências semelhantes. E comportamentos 'desviantes' não são exclusivos a classes sociais e económicas específicas; eles atravessam tradições e culturas diferentes. Na minha comunidade, o fenómeno também está bem vivo.

Uma ideia importante que devemos reter é que o processo de adolescere (i.e. crescer) pode ser um processo difícil. Lembro-me de mim na minha adolescência. Não foi fácil. Tudo muda, e nós queremos que tudo mude. E fazemos por mudar, muitas vezes rebelando-nos contra os que nos estão mais próximos. Aliás, é mesmo porque queremos 're-inventar' a diferença, por oposição à lei, aos pais, e à sociedade, que procuramos fazer o que 'não devemos'. O prazer é enorme. A recompensa ainda maior perante os nossos colegas e os membros do grupo de que queremos fazer parte. Rápidamente tornamo-nos modelos de popularidade pela bravura e capacidade de desafiar a autoridade, seja ela qual for.

Uma das formas mais fáceis mas também mais desonestas para explicar o fenómeno precoce é o de culpabilizar os pais. Sigal Spigel, uma psicanalista a trabalhar em Cambridge, explica que, não querendo minimizar a responsabilidade dos pais na educação dos filhos, porque lhes compete orientá-los, é preciso ter também uma atitude de modéstia para perceber que, por muito que nos custe, a verdade é que não controlamos efectivamente a vida dos nossos filhos. Apenas fazemos o melhor que sabemos e podemos.

O adolescente, por seu lado, pela natureza da afirmação da sua autonomia e independência, que acredita efectivamente que está a 'inventar' algo de novo, vai à procura daquilo que contribui para que se declare a si mesmo, pelo olhar dos outros amigos ou colegas, como sendo 'cool' e adulto. A verdade é que o modelo deles são os pais. De muitas formas, a libertação de si próprio passa por imitar os adultos, os pais, os educadores, convencendo-se, mesmo que por oposição a eles, de que estão a 'inventar-se' a si mesmos. O prazer e a afirmação está mesmo nessa ilusão: de 're-invenção'.

O que pode ser interessante pensar, e na opinião também de Sigal Spigel, é que a causa da precocidade de comportamentos que visem desafiar a autoridade, e a busca da liberdade e afirmação de uma identidade autónoma pode estar ligada ao facto de nos dias de hoje estarmos a pedir demasiado aos nossos adolescentes. Pedimos-lhes que façam muito, muito bem, e cada vez mais e melhor. Provávelmente, estamos a ser demasiado exigentes nos seus desempenhos e compromissos. E pedimos muito, desde muito cedo aos nossos filhos.

E qualquer sociedade têm rituais de iniciação, ou em linguagem antropológica, ritos de passagem. A nossa promove essa ideia de que a liberdade e autonomia do adolescente passa por ser 'fixe' ou 'estar-se bem'; passa por atravessar as fronteiras da legalidade, do proibido.

O problema é que tudo começa cedo demais e este modelo de precocidade na emancipação do adolescente pode trazer consequências nefastas nas suas vidas. A mim, isto preocupa-me.