Amnistia Internacional

O verdadeiro valor de estar presente: advogados sírios arriscam a liberdade e a vida em nome da justiça

17 abril 2014 15:45

Advogado de direitos humanos em Damasco (nome protegido por segurança)

Os advogados de direitos humanos tornaram-se num alvo a abater na Síria em guerra. Nunca estiveram a salvo, mas agora arriscam-se a ser detidos, torturados e mortos na prisão por intervirem contra as detenções indiscriminadas e tentarem ajudar as comunidades de deslocados. Mesmo assim não desistem

17 abril 2014 15:45

Advogado de direitos humanos em Damasco (nome protegido por segurança)

Ser advogado de direitos humanos na Síria nunca foi fácil. Sempre fomos vulneráveis, sempre arriscámos ser detidos e acusados criminalmente pelas autoridades. Nos últimos anos, porém, a situação agravou-se drasticamente e tem vindo a tornar-se insustentável.

Os advogados de direitos humanos tornaram-se num alvo permanente. As autoridades empreenderam uma campanha para os intimidar e conseguiram que vários fossem expulsos da ordem. Muitos foram detidos ou morreram sob tortura na prisão.

Ameaças frequentes contra os advogados são feitas também por grupos armados nas zonas do país que estão fora do controlo das forças governamentais. Em alguns casos, como o de Razan Zaitouneh, um importante advogado de direitos humanos que desapareceu em Duma, em dezembro passado, são alvo de rapto por esses grupos armados.

Perdi muitos companheiros de profissão que não saíram vivos das prisões. Entre eles está Burhan al-Sigal, o qual morreu no final do ano passado, enquanto estava detido, e deixou quatro filhos novos. E Ma'en Ghoneimi, cuja família foi informada da sua morte há três semanas, quando ele se encontrava preso. Ambos eram advogados extraordinários, com uma dedicação à justiça apenas comparável à sua fé inabalável em que os sírios merecem um futuro melhor.

Quando os sírios desceram às ruas em protestos maciços a exigir liberdade, em março de 2011, Burhan al-Sigal e Ma'en Ghoneimi estiveram entre os primeiros advogados a expressarem claramente a sua solidariedade para com os manifestantes.

A notícia das mortes de Burhan al-Sigal e Ma'en Ghoneimi abalaram-me profundamente. Conhecia-os a ambos e cruzávamo-nos diariamente nos tribunais. Na Síria, há um número incontável de vítimas que todos os dias perdem a vida nos recônditos das forças de segurança e nas prisões.

A morte de um detido é algo que é já visto como expectável diariamente. Tínhamos esperança que os advogados não fossem alvo de tais maus-tratos, ou que, pelo menos, as suas vidas fossem poupadas. Mas todas as nossas expectativas de que o regime seja capaz de respeitar seja o que for há muito que foram destruídas.

A notícia da morte de Ma'en teve um efeito devastador na sua família, que se recusou a acreditar nisso durante vários dias, agarrados a uma esperança vã de que se tratasse de um caso de confusão de identidades. Ao longo de todo o tempo em que esteve detido, a família nunca foi autorizada a visitá-lo e jamais recebeu informações oficiais sobre o seu paradeiro. Só lhes chegavam notícias através de outras pessoas que também tinham estado detidas com ele e depois foram libertadas.

Burhan fora detido num raide das forças de segurança numa área central e Damasco, por se oferecer para ajudar e representar legalmente deslocados de zonas em conflito no país e por se expressar publicamente em defesa do direito das pessoas à liberdade e à dignidade. Já Ma'en foi detido por puro acaso, no distrito de Al-Rabwa, na capital, quando se dirigia ao carro para voltar para casa. Depois as forças de segurança descobriram que ele participara em manifestações no Palácio da Justiça reivindicando a libertação de detidos e o fim do derramamento de sangue na guerra em que a Síria tinha mergulhado.

Nas zonas sob cerco militar, os advogados têm vindo a ajudar a população civil ao arranjarem donativos financeiros e fornecimentos de alimentos. Têm também oferecido assistência legal às comunidades de deslocados, o que os expõe a um risco ainda mais elevado de serem detidos pelas autoridades. Fazem isto para além do seu trabalho principal de defenderem os prisioneiros de consciência em tribunal e prestarem representação legal aos que se encontram nas prisões.

Entre estes advogados está Jihan Amin, que foi detida há dois meses e da qual não tivemos ainda quaisquer notícias. Jihan ajudou várias famílias na zona onde mora a organizarem-se para ajudar os deslocados que ali chegam. Outras três pessoas foram detidas com ela: Ranim Ma'touq, filha do conhecido advogado Khalil Ma'touq, o qual está detido há mais de ano e meio; Marwan Hasbani, também advogado, e cuja família foi informada que morrera ao fim de um mês de estar detido; e ainda o poeta Nasser Bunduq.

Estaria a mentir se dissesse que não tememos pelo nosso bem-estar físico e psicológico. Temos medo de ser detidos e morrer sob custódia das autoridades e vivemos aterrorizados com aquilo que testemunhamos estar a acontecer nas prisões, com a tortura e maus-tratos infligidos aos detidos.

A verdade é que temos medo. Mas continuamos a trabalhar porque achamos que aquilo que temos para oferecer vale o sacrifício e porque ao fazê-lo estamos também a dar expressão viva da nossa humanidade.

Não consigo descrever a extraordinária sensação de realização quando conseguimos ajudar um detido a ser libertado, ou ouvimos os seus familiares ou de alguma outra forma ajudamos a aliviar o sofrimento de outras pessoas. É nesses momentos que sentimos o verdadeiro valor de estarmos presentes.