2 abril 1975 21:45

Enchentes. Os portugueses acorreram em massa às eleições de 1975, como se vê nesta enorme fila para votar, na Cidade Universitária, em Lisboa
arquivo a capital ip
Há 40 anos, os portugueses viveram pela primeira vez a experiência de umas eleições livres e universais. Foi a escolha dos deputados que iriam elaborar a primeira Constituição da democracia. Memória de tempos de grande efervescência política. (A campanha eleitoral das eleições para a Assembleia Constituinte iniciou-se no dia 2 de abril de 1975, há 40 anos. Vamos reviver como se fosse hoje o que foi essa primeira grande prova de fogo para a jovem democracia portuguesa, em abril de 1975. Será a campanha dia-a-dia. Pode consultar AQUI todos os artigos).
2 abril 1975 21:45
A 25 de abril de 1975, precisamente um ano depois da Revolução dos Cravos, que pôs fim a quase meio século de ditadura, os portugueses tiveram pela primeira vez na sua História umas eleições livres e universais.
Todos os portugueses: homens e mulheres, com mais de 18 anos, independentemente do grau de escolaridade ou da condição socioeconómica e familiar, na posse dos seus direitos cívicos, puderam finalmente exercer o direito de voto. E com a garantia de que no final a contagem seria verdadeira, sem chapeladas.
Foram as eleições para a Assembleia Constituinte - assim chamada porque teve como única missão elaborar uma Constituição. A primeira da democracia (entretanto alvo de sete revisões), que iria suceder à Constituição vigente durante o regime fascista, aprovada em 1933.
Doze partidos (alguns dos quais desapareceram entretanto do mapa político português) concorreram às eleições.

Flama. Capa da revista, durante a campanha
d.r.
Já o único mandato de Macau (eleito por 2876 votantes) foi disputado por duas forçasTambém no território chinês sob administração portuguesa houve campanha (com cartazes bilingues), certamente com muito mais discrição.

Eleito. Foi o candidato à esquerda da imagem, Diamantino Ferreira, quem ganhou o mandato
d.r.
Na eleição dos 250 deputados constituintes foi usado o método de Hondt para todo o território nacional, sistema que ainda se mantém.
Em 1975, o país vivia em grande efervescência política. Era o chamado Processo Revolucionário em Curso (PREC), também conhecido como Verão Quente, em que Portugal esteve à beira da guerra civil. Este período teve início a 11 de março. Em resposta a um golpe da direita, liderado por António de Spínola, deu-se uma viragem à esquerda.
O PREC terminaria com o 25 de novembro, um golpe dos setores moderados do MFA, que pôs fim à influência comunista e da ala mais radical dos militares.

Confronto. António de Spínola, à direita, e Vasco Gonçalves e Rosa Coutinho, à esquerda: protagonistas em pólos opostos no Portugal de 1974/75
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É esta conjuntura tumultuosa que explica os incidentes da campanha eleitoral, com agressões a candidatos e boicotes a comícios e a sessões de esclarecimento.
As eleições foram uma situação desconhecida para a população portuguesa, parte substancial da qual não sabia ler nem escrever. Segundo o Censos de 1970, a taxa de analfabetismo era de 25,7%, mas atingindo 31% nas mulheres.
Os tempos de antena, na rádio e na televisão, foram uma pedrada numa sociedade que vivera meio século sem liberdade de expressão e submetida à censura.
Uma nova experiência A normalidade com que no presente se realizam eleições torna difícil, para quem não viveu a experiência, imaginar a dimensão da novidade que os portugueses conheceram em 1975.
Algumas Perguntas/Respostas sobre o processo eleitoral, elaboradas pelo ministério da Administração Interna (MAI), parecem hoje mais próprias de um qualquer programa de humor, mas são bem um espelho desse tempo.
O argumentário destinava-se a informar a população em geral, mas visava igualmente o esclarecimento de quem iria estar destacado nas assembleias de voto.
Alguns exemplos usados para explicar o ABC da democracia eram os mais básicos.
O mistério da bicha... Assim, à pergunta "como se faz a bicha?", o guião do MAI responde: "Os eleitores votarão pela ordem de chegada à assembleia de voto, dispondo-se para o efeito em fila, podendo esta prolongar-se para o exterior".
Mais adiante, é colocada a pertinente questão: "Se uma pessoa se apresentar nua pode votar?". A solução do problema é clara: "Não. O presidente da mesa deve, obedecendo ao princípio geral do direito que protege a moral e os bons costumes, mandar sair a pessoa. Caso haja desobediência às suas ordens deve chamar a força armada".
... e a função do varapau Outra pergunta parece ainda mais insólita, mas em 1975 faria certamente sentido. "Que fazer se alguém aparecer armado na Assembleia de voto? Se trouxer uma varapau? Se trouxer uma caçadeira?".
A resposta não puxa pela caçadeira. Fica-se pelo varapau, mas é o suficiente para desarmar qualquer réplica: "Não podem ser admitidos na assembleia de voto os portadores de qualquer arma; são mandados retirar pelo presidente. Somente se o varapau servir notoriamente de amparo à pessoa que o usa ele poderá não ser considerado uma arma".
Muitos portugueses, sem o amparo do varapau, sem amparo algum, pois estavam acamados, nem por isso deixaram de "cumprir" o seu "direito e dever cívico", como então se afirmava com orgulho.

Determinação. Até houve quem tenha ido de votar de maca
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Num tempo da História de Portugal em que nas ruas se contavam espingardas (em sentido figurado e também literal), um dos principais lemas do apelo oficial à participação na eleições foi "Voto, uma arma do Povo".
Contados os papelinhos entrados nas urnas a 25 de abril de 1975, percebeu-se, pela elevada afluência (91,66%), que o Povo decidiu disparar essa arma.