A agenda de Mário Claúdio

O estranho caso de Isabel Jonet

12 novembro 2012 20:38

Mário Cláudio

12 novembro 2012 20:38

Mário Cláudio

O escândalo suscitado, há dias, por uma intervenção de Isabel Jonet, presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, a exortar-nos à tomada de medidas de poupança como estratégia de combate à crise, desvenda pelo menos um clima de paixão colectiva, prejudicial à serena leitura dos factos. Não ouvi a responsável pelo Banco Alimentar defender o excesso de austeridade a que nos submete um Governo que deu já provas sobejas de incompetência perante a situação a enfrentar, nem sequer deduzi que, alinhada com um cardeal instalado na hierarquia, procurasse ela dissuadir-nos do exercício do direito de nos indignarmos, e da consequente manifestação pública da nossa discordância das desastrosas soluções, propugnadas pelos timoneiros dos destinos pátrios. Assisti porém, isso sim, à reacção destemperada de muita gente, denunciando essa espécie de atávica indolência, sempre pronta a derivar tudo lá de cima, desmobilizando-se de alterar comportamentos cá de baixo. E constatei a persistência da vontade de incorrer em certos vícios, justamente inspirados pelo mesmo consumismo, e pela mesma globalização, que nos castigam agora.

Quem se desejar atento à publicidade que diariamente se pratica, e que não desiste de instigar à aquisição dos artigos mais voluptuários, sugerindo falsíssimas necessidades a que só se resiste com a frustração dos humanos anseios, não deixará de coincidir com Isabel Jonet na preconização de uma disciplina que, não sendo salvífica, logrará revelar-se coadjuvante. Os livros que se vendem por exemplo continuam a ser impressos em excelente papel, ostentando a magnificência gráfica que enche os olhos dos incautos com o respectivo conteúdo, e nunca a embalagem do que quer que seja se mostrou tão luxuosa de fitas e brilhos do que a que nos cai hoje nas nãos, a envolver produtos na aparência sumptuosos, e depressa perecíveis. Qualquer sumária pesquisa do lixo dos portugueses, desaconselhada embora pelas regras da higiene, mas porventura reclamada pela consciência cívica, detectará o que esbanjamos num regabofe de pobres que eternizam a pobreza, e que assim doentiamente pactuam com a cínica indiferença dos ricos.

A pedagogia da poupança, exigida pelos contextos de crise, não substitui, e antes sustenta, a absoluta urgência do protesto nas ruas, capaz de demonstrar que não se circunscreve aos gabinetes o poder de impor, de determinar, e de punir. Bem escutadas, e bem entendidas, as propostas de Isabel Jonet deverão fazer-nos parar por um instante, a fim de prosseguirmos na marcha logo depois.