6 março 2009 16:08
6 março 2009 16:08
Consegui finalmente descobrir quem se prontifica a disciplinar-me a biblioteca, arrostando com a esquisitice catalogante que não desisto de propugnar. E se alguma vez acalentei o propósito de entretanto me desfazer de uma boa braçada de espécies irrelevantes, cedo concluiria eu que possui muita força o hábito, e não menor a perversão do gosto. Só de longe a longe me aparece agora um título negligenciável, a meter no caixotinho que tenciono enviar de presente a um querido amigo, ainda mais interessado do que eu no trash que faz virar, contorcida num esgar de nojo, a focinheira dos bem-pensantes. São tantos os livros reles, suscitadores da minha maravilha, que não raro me interrogo sobre a legitimidade, ou sobre a delícia, de fundar uma basta secção de reservados hediondos, não menos honrosa do que a colecção oficial.
Há aqueles que alguém me ofereceu com afecto, ou com esperança, ou com cândido orgulho, o que tudo conforma um bouquet de sentimentos respeitáveis. Mas existem também os que beneficiam de uma capa de qualidade, incompaginável com a ineficácia do miolo, e os que a exibem tão asquerosa que não poderão deixar de enriquecer, incomparáveis peças, um museu imaginário de horrores. Impõem-se ainda os que contêm a dedicatória esdrúxula, ou patética, ou simplesmente cómica, e que devem por isso permanecer à mão, a fim de me alegrar o serão de Inverno, passado em calorosa companhia. Como alienar depois esses que, monos evidentes que o tempo como tal consagraria, foram pernosticamente saudados, ao surgirem, como "um acto extremo de criação", susceptível de bloquear, e sem apelo nem agravo, a literatura pátria ao longo dos próximos cem anos?
Tenho verificado que entre escritores, e sobretudo quando se trata de avaliar contemporâneos, se fala muito mais, ou com entusiasmo maior, das deficiências das obras do que das respectivas vantagens. Nada pois como conservá-las ao alcance, e de forma a ilustrar com leituras adequadas o desfavor com que as olho, e que alimenta o meu ego de presumível melhor. Daí até expulsar das prateleiras aquilo que se mostra incontestavelmente valioso, e portanto inútil, ou deletério, não irá mais do que um saltinho de pardal. E se não me restou espaço disponível para os tesouros que o futuro me trouxer, que importará isso, se a lixeira que acumulei, e que sinceramente estimo, preencher algumas horas dos pobres dias que vou gastando?
Bem vistas as coisas, não haverá livro que mais me toque do que o que for, se o critério "correcto" me não enganar, o que se chama "realmente mau".