21 julho 2007 0:01
21 julho 2007 0:01
Grupo de rapazes à saída da escola primária em Diu
O ano escolar chega ao fim. Exames e resultados. Depois, as candidaturas e a colocação no ensino superior. No pacote de informação há a tradicional recomendação aos pais: atenção aos suicídios. Só no dia do anúncio dos resultados dos exames nacionais suicidaram-se onze jovens. Dentro da média, declaram os jornais.
Tractor solitário na estrada perto de Osyan
Todos se queixam que este ano a monção está atrasada. As chuvas diluvianas que inundam os campos, que arrastam algumas centenas na lama assassina mas que, ao mesmo tempo, refrescam um país a sufocar no calor também já se perderam no calendário das alterações climáticas. É calor a mais para uma grávida. A barriga já não sabe que peso tem, os pulmões esquecem-se de respirar. As edemaciadas pernas aparelham a última força para subir até a um telhado alto. Ninguém se surpreende com o suicídio de grávidas durante o tártaro estio.
Os médicos encolhem os ombros: é a histeria do Verão.
A monção teima em não chegar. Nos campos do norte da Índia nenhuma semente se atreve a germinar. Não há nada para colher e os agricultores deitam as mãos à cabeça. Não há subsídios para os contratempos nem segurança social que vele pelos percalços da vida. Os tractores limitam-se a passear sozinhos enquanto lá em casa há uma família, muitas vezes numerosa, que espera que um único homem a sustente. Na última semana de Junho suicidaram-se sete agricultores no distrito de Jodhpur. É a pobreza, ninguém exclama.
Grupo de mulheres no cortejo de um casamento em Jodhpur
Na rua passa um cortejo de mulheres ostentando os seus melhores saris. Ouro adorna as orelhas, os narizes, os pulsos, os tornozelos, os dedos e o que mais puder aguentar o peso desta riqueza. A liderar o grupo, uma rapariga com a cara coberta por um véu encarnado atravessa o bazar. "É a noiva!", comenta um dos observadores que conhece a família toda mas não foi convidado para a boda. Atrás dela segue a sua pesarosa mãe. Vai feliz por ter conseguido casar a filha e reza histrionicamente até ao local do casamento para que esta a honre como deve ser mostrando todos os seus conhecimentos domésticos na casa da sua nova família. É sofrimento de mãe. São rezas que se perpetuam até à pira. Suicídios de mães de noivas não faltam na casuística indiana. Infelizmente, suicídios destas filhas também não.
Se a Índia fosse cristã teria um purgatório tão congestionado como os seus comboios. Mas a Índia hindu tem várias vidas, várias incarnações, todas únicas mas dependentes das anteriores. Nesta vida preparamos a próxima. Este nunca será o fim e, se um dia o houver, será a eternidade, um exclusivo masculino e obséquio de uma vida pura de entrega e meditação. As mulheres terão que esperar.
Bazar de Jodhpur
O principal objectivo de vida é a honra, nunca perder a face. A vergonha de não conseguir, de não ser capaz de ir até ao fim conspurca a alma e viver assim é uma carga demasiado pesada para poder levantar de novo a cabeça. Para o Ocidente, é preciso estar muito doente para atentar contra a própria vida. Na Índia, é preciso ser muito doente para continuar nesta vida inquinado pela desonra. Suicídio nunca é fim, nunca é solução. É início de uma nova oportunidade. É um aplauso pela coragem e nunca a sina dos fracos.
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Dar puja para receber darshan
Em todas as ruas, praças, becos ou travessas da Índia hindu há templos ou pequenos altares. Uma vila pode ter quinhentos e uma cidade alcança facilmente as dezenas de milhar destes recessos religiosos. O seu número é proporcional ao dos habitantes porque se trata de uma necessidade diária.
O deus preferido é uma escolha pessoal, uma vez que todos são, em última análise, manifestações de Brahman, um fenómeno sem forma de onde tudo vem. As representações mais populares são Vishnu, que gere o universo, Shiva, responsável pela destruição, Saraswati, consorte do deus Brahma e deusa da sabedoria, Ganesh, o deus da fortuna com cabeça de elefante, e Hanuman, o deus macaco que simboliza a fé inabalável.
Os pedidos humanos são feitos com rezas junto do altar do deus a quem se pede que interceda. Estes deuses não se contentam com pedidos espirituais e pedem puja, ou seja, ofertas de comida e flores. No caminho entre os leigos e o divino estão os sacerdotes, que são brâmanes e pertencem à mais alta casta hindu que saiu directamente da boca de Brahma, o deus que criou o universo. Os sacerdotes têm o poder de dar darshan, de abençoar as ofertas e ungir o crente para que este se assegure que os seus pedidos serão tidos em consideração pelo deus a quem se pediu auxílio.
Luís Mieiro,
médico