14 setembro 2007 23:51
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Na Birmânia, a thanakha é a árvore do corpo, da saúde e da estética. Uma pasta feita com os seus ramos serve de protector solar, de creme hidratante e é, também, usado como maquilhagem.

Estamos em Setembro. O sol nem sequer é muito forte e a humidade é suficiente para olvidar que também há neste planeta climas secos. Ela diz que não. Diz que o sol cauteriza a pele e que toda a gota de água dispersa no ar é pouca para manter hidratada a sua pele. Ninguém lho ensinou. Distribui pela cara a pasta que acaba de preparar. Pinta-se como se pretendesse realçar as suas anfractuosidades. Não é nenhuma moda. Já nasceu assim. A thanakha é protector solar, é creme hidratante, é maquilhagem. A thanakha é a própria Birmânia. É apenas uma das melífluas características deste povo calcado, por quem se passa assumidamente de mãos nos bolsos, assobiando para o ar, dizendo que isso é lá com eles. O interesse move montanhas mas também as pode deixar no mesmo sítio. Enquanto isso, os birmaneses sorriem com a sua híbrida fé de Buda e de espíritos protectores, crentes de que o melhor está para vir.

A thanakha é uma árvore e, como qualquer produto consumível, tem as suas categorias, os nadas que lhe dão a boa e a má qualidade. Um bom ramo de thanakha é aquele que é suave ao toque, que não arranha as mãos, que é leve e que nos fica no corpo. A thanakha, na Birmânia, é a árvore do corpo, da saúde e da estética. É o útil e o agradável juntos.

Numa base de pedra, ela deita um pouco de água e começa a esfregar, a moer o pequeno ramo. Nas voltas do seu labor, surge primeiro uma água tingida de amarelo e, depois, com a persistência que todos os hábitos da vida têm, começa a formar-se uma pasta cor de sândalo, uma papa farinhenta que lhe nutrirá a pele. Cobre primeiro as maçãs do rosto e o nariz. Cobre-os porque é ali que o sol é mais tenaz, porque é a sua maior exposição. Ninguém sabe se é bom ou mau. Sabem apenas que a casca é para a face e o tronco para o resto do corpo. Ela continua a espalhar delicadamente o seu cosmético. Diz que uma pele bem hidratada é uma pele bem protegida. Não precisa de ir à escola para sorver tanta sabedoria. Lá em casa sempre o fizeram e esse é talvez o único fundamento que realmente importa. Gostaria de experimentar o que sabe existir lá fora, mas a diferença tem o preço marcado em dólares americanos. Num país de fronteiras fechadas, onde o mercado negro é lucro puro, produtos cientificamente testados são o luxo dos que trazem à cintura o conjunto das chaves dos grilhões da Birmânia.

A thanakha está em todos os rostos. Mulheres e homens. Ainda está fresca, já secou, desvanece ou resta apenas finos vestígios. É no amarelo residual da thanakha que se vê a falta de opção desta terra. Quando todos são demasiado iguais, demasiado estereotipados, algo vai mal, algo nos diz que a diferença custa caro. Por mais diversidade que se ambicione na Birmânia, esta tenderá a evitar as ondas da revolução. A humildade sincera prefere uma vida em paz consigo mesmo que o contragosto da prisão e do trabalho forçado. As formigas do carreiro lá vão caminhando no sentido único das suas vidas. Por vezes, olham receosas para trás apenas para ver se outras também olham. Depois viram-se de novo para a frente e prosseguem, temendo que alguém lhes tenha lido no olhar "mudem de rumo, mudem de rumo".
Budismo quotidianohttp://downloads.officeshare.pt/expressoonline/video/videoweb42A.swf
A sociedade birmanesa é profundamente marcada pela vivência do Budismo desde o berço. Tal como os restantes países do sudeste asiático, a Birmânia segue a corrente theravada que, apesar de seguir o mesmo ensinamento de Buda, lhe confere uma interpretação distinta da mahayana. Em traços muito gerais, o principal objectivo do Budismo theravada é atingir a iluminação e converter-se num Buda, ao contrário do mahayana (praticado no Tibete) cuja meta é a conversão em Bodhisattva, reincarnando sucessivamente para bem do caminho da Humanidade. Talvez esta particularidade possa explicar um pouco a vida dos birmaneses.
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Desde pequenos são ensinados a venerar Buda. Quando possível, isto é, quando uma família pode prescindir da contribuição do trabalho de um filho para os rendimentos do agregado, as crianças são enviadas para um mosteiro entre os 10 e os 20 anos de idade para que efectuem os estudos budistas básicos durante aproximadamente 5 anos, dependendo das capacidades individuais. Durante este período são submetidos a provas. É frequente ver noviços a estudar a sua sagrada trilogia e a realizar os exames espirituais nas salas de ordenação dos mosteiros.
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A vida de monge é uma vida de caridade. Pela madrugada, os monges e os noviços saem às ruas para recolher esmola e alimento. É o seu único sustento, mencionado há 2500 anos por Buda na explicação do "Nobre Caminho". Culturalmente, a salvação para os birmaneses é proporcional à esmola dada aos monges e à quantidade de ouro doada às estátuas de Buda e aos inúmeros relicários espalhados pelo país. Vê-se amiúde grupos de leigos angariando fundos para a ajuda aos mosteiros.
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Como é normal, os sítios associados à passagem de Buda pela Birmânia são locais de peregrinação e oração. Junto a uma pegada de Buda, monumento carregado de simbolismo religioso, mulheres recitam os textos sagrados.
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Luís Mieiro, médico