O País dos Prodígios

Uma história sem moral

1 abril 2008 17:40

1 abril 2008 17:40

E lembro-me de ter começado a minha intervenção com este exemplo:

'Imaginem que uma família pobre aluga uma parte de casa. O pai e a mãe trabalham em empregos humildes e mal pagos. Os seus filhos frequentam a escola com um aproveitamento razoável. A família vai progredindo, ganhando um pouco mais, mas nunca chega a poder ter uma casa inteiramente sua.

Simultaneamente, outra família modesta monta uma barraca no mesmo bairro. Os seus rendimentos são mais ou menos iguais aos da primeira família. Como tem mais dinheiro disponível, consegue comprar um carro. Fazem barulho à noite, incomodam a vizinhança. Os seus filhos frequentam a escola, são mal-educados e também rejeitados, e têm mau aproveitamento escolar. A família não progride, pelo contrário, o desemprego atinge um dos membros do casal.

Um dia, a Câmara local decide acabar com as barracas e fazer um programa de apoio aos mais carenciados'.

E aqui chegava a altura das perguntas: Quem acham que a Câmara vai ajudar primeiro? Acham que isso é justo?

O dilema é grande. Porque a família que mais se esforçou não é recompensada. Mas a que nada se esforça, é-o.

São estes os tipos de dilema que temos nas escolas.

Há anos, alguns pedagogos formados no espírito dos anos 60 do século passado, tiveram a ideia romântica de que todas as crianças são boas e querem, de facto, aprender. O óbice à não aprendizagem estaria sobretudo na forma como eram transmitidos os conhecimentos.

Mas esta ideia fracassou, ruiu justamente no seio daqueles a quem mais se destinava: os carenciados de educação e de aprendizagem que, com a democratização do ensino, chegavam à escola. Com a avalanche de alunos, em vez de se reforçar desleixou-se a disciplina. As escolas dos piores bairros, tal como já acontecera nos EUA e noutros países, tornaram-se em infernos

Na verdade, este falhanço criava um problema: ou a teoria estava errada ou tinha sido mal aplicada. No fundo, este debate era igual ao que os comunistas faziam em relação ao socialismo na URSS e nos países de Leste.

Como é muito difícil reconhecer um erro, decidiram que estava mal aplicada. E foi-se aprofundando a teoria, cada vez mais, sempre baseada em pressupostos não provados, se não falsos.

À medida que não se fazia o reconhecimento da falência da ideia original, criaram-se novas teorias sobre a antiga teoria.

E assim caminhámos, mais ou menos alegremente, para o abismo.

Até que, tal como Gorbachov na URSS, venha alguém dizer que está tudo errado, que o réu vai nu, continuaremos a discutir a espuma sem debater a essência da questão.

Não conheço a moral da história, mas temo que, tal como os russos, a conheçamos um dia da pior maneira.