Estou cá c’uma Gana

Viver sem caixotes do lixo

14 agosto 2009 11:56

Imagine que não tinha um caixote do lixo em casa. Imagine, agora, que não tinha um contentor na sua rua ou quarteirão. Imagine, ainda, que depois do jantar ou quando sai para o trabalho, em vez de levar um saco com o seu lixo doméstico para pôr no contentor mais próximo (precisamente porque não há contentor), tem de cavar um buraco à porta de casa para enterrar o lixo e, se estiver atrasado/a, atira-o simplesmente para o meio da rua.

14 agosto 2009 11:56

Enquanto pensava em como haveria de relatar aquilo que vi em Oduman, dei 5 pesewas (o equivalente a 2,5 cêntimos de euro) à vendedora ambulante em troca de um saco de 500 ml de água fresca: um preço demasiado alto para muitos ganeses, que se vêem forçados a recorrer à água dos rios e ribeiras, muitas vezes imprópria para consumo.

Imagine que não tinha um caixote do lixo em casa. Imagine, agora, que não tinha um contentor na sua rua ou quarteirão. Imagine, ainda, que depois do jantar ou quando sai para o trabalho, em vez de levar um saco com o seu lixo doméstico para pôr no contentor mais próximo (precisamente porque não há contentor), tem de cavar um buraco à porta de casa para enterrar o lixo e, se estiver atrasado/a, atira-o simplesmente para o meio da rua.

É esta a realidade quotidiana da povoação de Oduman, onde cerca de 3000 pessoas vivem sem um único caixote do lixo. A falta de paciência para cavar buracos faz com que ele se amontoe à frente das habitações. Umas vezes, o vento trata de o disseminar pelas ruas e esquinas. Outras, o fogo, muitas vezes ateado por crianças, a mando dos seus pais, consome-o.

As pessoas vivem paredes-meias com os seus resíduos domésticos. Habituaram-se. Os adultos ignoram, as crianças brincam e as cabras tentam mastigar qualquer coisa. Por aqueles lados, um camião do lixo é algo tão raro como uma limousine.

Reuniões atrás de reuniões, a empresa de gestão do lixo da Grande Accra e a Assembleia Distrital vão-nos abrido a porta de um labirinto sem saída à vista. E assim, tal como o lixo que insiste em erguer-se em Oduman, também o meu objectivo de, antes de regressar a Portugal, ver um caixote do lixo instalado na povoação se vai transformando em fumo, consumido pelas chamas da burocracia.

Acabei de beber a água com um gole súbito, como que a tentar hidratar a esperança moribunda. Amarrotei-o e olhei em redor à procura de um caixote onde o pudesse deitar, mas ele não apareceu. Ainda não me habituei à ideia de que Oduman não tem caixotes do lixo. É bom sinal.