Estou cá c’uma Gana

Gana 4 - 1 Zâmbia

17 agosto 2009 16:45

Tito Rendas

Guerra, racismo e futebol: os ingredientes de um final de tarde diferente, numa garagem que servia de loja.

17 agosto 2009 16:45

Tito Rendas

"Obroni, obroni"! Desta vez resolvi atender ao chamamento que tantas vezes durante o dia me vejo forçado a ignorar, sob pena de ficar retido durante horas a fio por vendedores de rua. Desta vez era diferente: era final de tarde, estava a voltar a casa e apetecia-me dois dedos de conversa. Dentro de uma pequena garagem, que servia de loja, estavam quatro homens sentados à volta da televisão, três negros e um mulato.

"O que é que estás aqui a fazer, obroni?". A resposta foi a mesma de sempre e as reticências também, "trabalho em Direitos Humanos...". Arregalaram os olhos. "Mas o Gana é um país pacífico, não temos guerra, não há nada de Direitos Humanos para fazer por cá", afirmou um deles, seguro de que o que dizia era verdade. Lá lhe expliquei que, muito embora gostem de andar de mãos dadas, estes dois conceitos - guerra e violação de Direitos Humanos - não vivem numa relação de dependência.

Conversa para cá, conversa para lá, os três negros acabaram por se afastar. É então que o mulato me pergunta "Sabes o que é que estás aqui a fazer? Sabes para que é que essa história das ONG's serve?". Fiz um ligeiro gesto com a cabeça, como que a dizer "diz lá". "Eles têm tudo. Deus deu-lhes a floresta e o deserto, deu-lhes animais e muita terra fértil". Não pude deixar de concordar. "Eles têm tudo", reiterou, "mas não têm o mais importante: não têm o saber, o conhecimento", acrescentou, enquanto apontava para a cabeça. "E é por isso que o homem branco vem para cá", disse, virando o dedo para mim, "para ajudar os africanos, porque eles não têm cabeça".

Perplexo com aquilo que acabava de ouvir, a primeira coisa que me veio à mente foi uma citação de Goethe, afixada no nosso local de trabalho: "there is nothing as frightful as the sight of ignorance in action" ("não há nada tão assustador como a visão da ignorância em acção"). Não a dos africanos. A do mulato.

Envolvemo-nos, então, numa acesa guerra de ideias, que envolvia sobretudo, considerações rácicas. Era uma guerra sem solução, pelo menos naquele final de tarde, numa garagem, que servia de loja.

Fomos interrompidos pelos três negros,que me convidavam para assistir ao jogo de futebol - esse embaixador da paz no mundo, até em garagens, que servem de lojas - entre as selecções do Gana e da Zâmbia, que estava prestes a começar. "90 minutos de tréguas", pensei, enquanto aceitei o convite.

No final, Gana 4 - 1 Zâmbia e a garagem encheu-se de festa, que se fez colorida pela noite dentro. Mas entre as cores que pautavam toda aquela alegria, havia uma que, a meio caminho, destoava das outras.