Ela é carioca

A câmara apontada e a mão estendida

16 novembro 2007 15:16

16 novembro 2007 15:16

Luis Sinco, do "Los Angeles Times", foi o autor de uma fotografia que se transformou num ícone da invasão americana do Iraque. Um soldado, sujo, cansado, com um cigarro pendurado na boca. A esperança fugira da imagem e a solidão e o espanto de todo um país, estavam estampados naquele olhar semicerrado. Atento.

Foi apelidado de "Malboro Man" na altura. Mas tinha um nome: Blake Miller. O problema, como sempre se passa quando alguém é protagonista de uma peça jornalística, é que a verdadeira história começa quando acaba o artigo. Naquele caso, como em outros tantos (a maioria, afinal a tradição explica que as histórias negativas vendem melhor do que as positivas, uma recriação perversa do critério de que a anormalidade é que é notícia, como se fosse normal a felicidade...), o protagonista não viveu feliz para sempre.

O diagnóstico a Blake Miller foi de "síndrome de stress pós-traumático" e de dificuldade de inserção na sua vida normal, no interior dos Estados Unidos. O fotógrafo do "Los Angeles Times" voltou à cena do crime e produziu um extenso trabalho multimédia (fotografia, vídeo, áudio) sobre o ex-soldado na actualidade, ou seja, passados dois anos da cena de fumo.

A novidade deste episódio é que Sinco abandonou o distanciamento protector da profissão de jornalista para intervir na história. "Eu me senti responsável", assume no trabalho mais recente. A necessidade de uma mão amiga era evidente. Sinco estendeu a sua, como antes tinha apontado a câmara fotográfica.

O jornalista ajudou a personagem a sair daquele filme mau. Indicou-lhe um centro de recuperação, houve fugas pelo caminho, idas e vindas. Mais derrotas do que fracassos. O "slide-show" nos mostra um pedaço da vida real de Blake, um homem que tropeçou no seu medo, na sua memória, na sua inacção. Revela um profissional, Sinco, que se assustou com o efeito do exercício quotidiano, banalizado, da sua actividade.

Não é a primeira vez que um jornalista sai da sua redoma, afectado pela dimensão da repercussão. Mas foi um caso que afectou recentemente os americanos pela proximidade com o trauma da guerra do Iraque. E nós? Pensamos nas consequências do que fazemos? Nos demónios íntimos e colectivos que libertamos?

Christiana, jornalista