A Caminho

Carona no Brasil? Nem pensar! Estás louco?!

17 março 2008 16:19

17 março 2008 16:19

Chego à rodoviária do Rio de Janeiro, à noite, com um mochilão às costas e bolsa marsupial na barriga. A constelação fatal. Sou um alvo em movimento. Poucas dezenas de metros separam a carrinha que me trouxe de Xerém e a porta principal da Rodoviária. Fecho a cara e volto a galgar nas botas que ficaram quatro meses e meio a acumular teias de aranha.

Entro. Ponto de encontro no radar. Não tenho dúvidas. Não posso ter ou sequer mostrá-las. Depósito de bagagem. Sim, são as duas. As mochilas estão seguras, ou assim me parece. Sinto um vulto ao meu lado. Olho e é o meu primo, no ponto de rendezvous, como combinado.

"Porque não uma semana de Rio antes de partir para a estrada?" Porque tenho pouco tempo. Os planos alteraram-se e levam-me a parar mais cedo. Não tenho tempo para ficar. Dói-me ouvir esta frase. Vai contra tudo o que imaginei no início deste projecto. Requer adaptação, reavaliação, recalcular rotas. Mas tudo correrá inesquecivelmente bem.

Aproveitamos o pedacinho de tempo antes de o meu ônibus sair. Depois de semanas de procura por boleias com "camioneiros" amigos de amigos de conhecidos de donos da mercearia da esquina da praça, optei por uma escolha mais certa. Saio de "ônibus" até passar São Paulo. Vai contra a minha vontade de viajar à boleia? Sim, mas vai a favor da minha vontade de viver. Opto por passar ao lado da zona Rio de Janeiro - São Paulo e da sua denegrida reputação.

Antes de chegar à primeira cidade depois de São Paulo, saio num posto de gasolina, como previamente combinado com o motorista. Atravesso a autoestrada a pé e preparo-me para o meu ritual. Os mapas de estradas foram impressos em casa, o caderno e a caneta para indicar destinos estão na mochila. 6h30 parece-me uma óptima hora para começar boleia. Vamos a isto.

Mochila às costas, botas em riste, vamos a isto

Começo com 1h30 de espera. Não pode ser considerado motivador mas o entusiasmo de início de viagem permite-me esses contratempos.

Um motorista de "rego" de fora leva-me durante mais de 200km e acompanha-me no pequeno-almoço. Nos limites de Curitiba tremo só de pensar de entrar no vórtex urbano. Se por acaso alguém me levar lá para dentro será virtualmente impossível sair à boleia. Felizmente estas cidades têm os maravilhosos e úteis rodoanéis. Dar a volta demora-me três boleias diferentes e com mais duas chego a Guarapuava. Até lá genuínos testemunhos, paisagens orgásmicas e q.b. de cabecear do sono acumulado nas últimas semanas.

Um sotaque espanholado denuncia uma família argentina ou paraguaia. Vão para a Foz do Iguaçu!? Mas estão cheios. E se me apertar? Levo as mochilas ao colo. Já estou habituado. Está bem. Eu percebo. Boa viagem então.

Quem finalmente me leva é um verdadeiro guerreiro. Antes de entrar ajeito a sua cadeira de rodas. Vai em Agosto às Paraolimpíadas de Pequim lutar pelo campeonato de ténis de mesa. Como em tantas outras experiências, conheço uma pessoa fenomenal. Conversas, paragens para fotografar, andar de um lado para o outro à procura de um ponto bom para pedir a próxima "carona". Já é tarde. A noite aproxima-se e o medo acumula-se nos já amedrontados condutores brasileiros.

A sorte encontra as mentes preparadas

No final concluímos que será difícil conseguir boleia. Faltam 400 km de chão até Foz do Iguaçu. Cozinhamos um jantar e amanhã volto para cá? Ele tem outra sugestão. Leva-me até à Rodoviária e põe-me dinheiro na mão. "Tu vais precisar mais deste dinheiro do que eu. Boa sorte para a tua viagem e para tudo. Corre para apanhares o último ônibus!"

Sai à uma? Sento-me e escrevo, maravilhado uma vez mais com o bem que existe nas pessoas. E dizem-me para não viajar à boleia. Mentes insanas...

Às 6 da manhã chego ao meu primeiro destino: Foz do Iguaçu.

| A Caminho