Ré em causa própria

Há duas semanas escrevia isto mas no Egipto não Revoluções de lótus

3 fevereiro 2011 0:01

Adelina Barradas de Oliveira

" (...) Mas eu ouvi dizer que, em Esparta, um tal Licurgo só conseguiu impor a lei aos homens, que já vinham treinados para obedecer, pela experiência militar. Diz que se chama Aristóteles.E que as mulheres não quiseram esse jugo (...)Eu vejo um Mundo que há-de vir, em que as pessoas serão pessoas, simplesmente, sem terem de se cansar a explicar que o são. (...)Todas as formas de escravatura e opressão se terão desvanecido. Deixará de haver senhores e escravos, pobres e ricos, sábios e ignorantes. ""A perplexidade de Cassandra- Beleza, Maria Teresa Couceiro Pizarro  

3 fevereiro 2011 0:01

Adelina Barradas de Oliveira

               Há duas semanas escrevia isto. Mal sabia eu que o Egipto se seguiria à Tunísia tão rápido e de forma tão brutal.

                Estive lá em Julho passado. É um local, um país, uma nação que mexe comigo. MUITO!

               Não imaginam os contrastes gritantes da população. Uma minoria vive bem, na ostentação,..uma maioria vive de forma tão pobre que revolta , arrepia  e mete medo.

               Agora "as pessoas " perderam o medo...Não há estratégias para limitar os Direitos humanos. Mais tarde ou mais cedo, aquilo a que alguns chamam "Vida Nua", deixa de o ser....

 

         Os erros cometidos num passado político devem ser os alicerces para um presente e um futuro sem Soberanos despidos de Soberania e apenas investidos em Poder.

                   Como diz Savater [1] " como todo o projecto ético parte da liberdade, sem a qual não há vida boa que valha, o sistema político desejável terá de respeitar ao máximo - limitar ao mínimo, como preferires - as componentes públicas da Liberdade humana :- a liberdade de nos reunirmos ou separarmos, a de exprimirmos as nossas opiniões ou de inventarmos a beleza e a ciência, a de trabalharmos de acordo com a nossa vocação ou interesses, a de intervirmos nos assuntos políticos, a de nos deslocarmos de um lugar para o outro e de nos instalarmos aqui ou ali livremente liberdade de escolhermos os nossos prazeres do corpo e da alma.

 

                   Devemos recusar as ditaduras sobretudo as que "são para nosso bem, nem que seja com revoluções de jasmim, como foi chamada a recente revolta na Tunísia .

                  "É a primeira revolução pós-colonial no mundo árabe! Da auto-imolação de Bouazizi a 17 de Dezembro ao derrube de Ben Ali a 14 de Janeiro. Revolução de jasmim!"- escreveu no Facebook Mona Eltahawy, investigadora e comentadora egípcia. Nos últimos dias, os protestos foram apelidados de "Revolução de Jasmim" nas redes sociais da Web. "Mostra, em todo o caso, que as revoluções de veludo são possíveis no mundo árabe", disse, em entrevista ao jornal "Le Monde", Larbi Chouikha, politólogo e membro da Liga Tunisina dos Direitos Humanos.

 

                  O Presidente, Barack Obama, aplaudiu "a coragem e a dignidade do povo tunisino" e pediu a realização de "eleições justas".

 

                  Mas a situação na Tunísia não fica por aqui porque terá lugar já este mês de Janeiro de 2010 uma cúpula económica de líderes da Liga Árabe em Sharm el-Sheikh (Egito).

                       Também no Egipto os cidadãos se manifestam face aos Senhores que detêm o Poder e não sabem exercer a Soberania. Na verdade não é só na Tunísia pais azul e branco de história antiga e rica que, no Mundo árabe há elevadas taxas de desemprego, com aumentos do custo de vida que vêm gerando múltiplas manifestações.

                      "Os países desintegram-se, os povos levantam-se, (...) e os cidadãos árabes interrogam-se" sobre se as suas vidas poderão ser consideradas pelo sobreano como uma Vida Nua.

                     "Por acaso os actuais regimes árabes podem fazer frente a esses desafios de forma eficaz?", admitiu o chefe da diplomacia do Kuwait, Mohamad al Sabah, durante os trabalhos preparatórios da cúpula. O secretário-geral da Liga Árabe, Amr Musa, encorajou, por sua vez, os 22 membros da organização a "aprender a lição tunisiana" para enfrentar os desafios sociais e económicos.

                 Após o ataque aos Cotas no Egipto Michele Alliot-Marie aquando da sua visita ao Cairo afirmou: -"É tempo de reafirmarmos juntos o nosso compromisso com a liberdade religiosa, liberdade de consciência, e com o livre exercício da religião" realçando que este assunto era 'um dos  seus maiores desafios' da sua visita ao Cairo.

                 É bom que os próprios soberanos tenham a noção de que estão a perder a Soberania porque exercem mal o Poder, e de que o soberano não é mais o dono das vidas individuais nem das verdades e muito menos da Verdade. A Vida Nua não é mais submissa nem silenciosa nem nua. Impõem-se e revolta-se. Ela é no fundo, a origem de toda a Soberania que muitas vezes descamba apenas em Poder.

 

                    Como no livro de Saint-Exupéry - O Soberano deve dar ordens que sabe serão exequíveis e portanto cumpridas porque sensatas. São essas ordens uma garantia da sua soberania e não só do seu poder. Não resisto a transcrever a passagem em questão:

"- Majestade... Sobre quem é que reinas?  

  - Sobre tudo, respondeu o rei, com uma grande simplicidade.

 - Sobre tudo? O rei, com um gesto discreto, designou seu planeta, os outros, e também às estrelas.

 - Sobre tudo isso?

- Sobre tudo isso... Respondeu o rei.

 Pois ele não era apenas um monarca absoluto, era também um monarca universal.

- E as estrelas obedecem - vos?

- Sem dúvida, disse o rei. Obedecem prontamente. Eu não tolero indisciplina.

Tal poder maravilhou o principezinho. Se ele fosse detentor do mesmo, teria podido assistir, não a quarenta e quatro, mas a setenta e dois, ou mesmo a cem, ou mesmo a duzentos pores de sol no mesmo dia, sem precisar sequer afastar a cadeira! E como se sentisse um pouco triste à lembrança do seu pequeno planeta abandonado, ousou solicitar do rei uma graça:

- Eu desejava ver um pôr de sol... Fazei-me esse favor. Ordenai ao sol que se ponha...

- Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se em gaivota, e o general não executasse a ordem recebida, quem - ele ou eu - estaria errado?

- Vós, respondeu com firmeza o principezinho.

 - Exacto. É preciso exigir de cada um, o que cada um pode dar, replicou o rei. A autoridade repousa sobre a razão. Se ordenares a teu povo que ele se lance ao mar, farão toda revolução. Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens são razoáveis. "[2]

              É este o dever ser da Soberania, a garantia de Poder do Soberano.



[1] Savater, Fernandi "Ética para um Jovem"- pag 132

[2] Saint-Éxupey - O principezinho - Pag. 38 - Editorial Presença