11 maio 2011 8:55
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Não diria que este é um livro de um escritor já maduro. Daniel Galera perde-se em muito fogo de artifício meta-literário, dá muitas voltas, demora muito tempo a chegar ao osso. Bem espremido, este romance dava um bom conto. Além disso, "Cordilheira" revela dois vícios típicos dos jovens escritores: Galera quer mostrar que é moderninho (nos ambientes que escolhe, nas frases e expressões que usa, etc.) e, acima de tudo, coloca a sua personagem no universo da literatura e dos escritores. A personagem principal é uma escritora, e as personagens secundárias formam um bando de literatos argentinos que têm a loucura necessária para entrar num filme de terror série b. Às tantas, Cordilheira é uma espécie de Borges meets Halloween. E esta seita de loucos argentinos leva a narrativa para um joguinho meta que acaba por retirar espaço e tempo à força brutal que, apesar de tudo, está no centro deste livro.
E que força é essa? Anita, a escritora e personagem principal, não quer a fama literária. Ela quer uma coisa mais simples e visceral: quer ser mãe. Porém, Anita não encontra um homem para essa tarefa. O seu namorado dá a desculpa do tempo: "ai, então, você tem de pensar na sua carreira", "ai, vamos gozar a vida mais um pouco". Ora, a força do livro está na forma como Galera descreve os desejos inconfessáveis de uma mulher que quer ser mãe, de uma mulher que quer ser fêmea e não um exemplo de "sucesso profissional". Neste sentido, o uso das cenas de sexo - um problema do caraças na maioria dos livros - é aqui resolvido de forma cirúrgica. Nessas cenas, podemos ver em acção a soberania perversa de uma mulher que quer apenas ser mãe nesta sociedade moderninha onde os homens se cortam a esse milenar trabalhinho.
Bom, as feministas não vão odiar o livro, mas quem gosta de literatura é capaz de gostar. E, já agora, as mães wannabe deste país vão adorar "Cordilheira". Aliás, estou certo que encontrei aqui a solução para os problemas demográficos do país. Depois de lerem este romance, todas as mulheres portugueses vão encaminhar-se para o doce redil da maternidade. Depois de lerem este livro, os homens portugueses já não vão dizer "ai, pensa primeiro na tua carreira".