A Tempo e a Desmodo

Salazar, o negociador

14 dezembro 2012 8:00

Henrique Raposo (www.expresso.pt)

14 dezembro 2012 8:00

Henrique Raposo (www.expresso.pt)

Devido à fraca qualidade do autor do costume, a gerência de "A Tempo e a Desmodo" abriu uma nova secção: "os convidados". O convidado desta semana é Diogo Roque, mestre em História Contemporânea pela FLUL e colaborador do CEHR-UCP.

 

 

Bernardo Futscher Pereira, actual embaixador em Dublin, apresenta neste livro uma visão da diplomacia do Estado Novo desde a chegada de Salazar à Presidência do Conselho até à adesão de Portugal à NATO (1932-1949). Com uma narrativa que cativa o leitor, a obra reconstrói os acontecimentos não deixando de abordar as repercussões das decisões, assim como os eventos que ameaçavam a estrutura que sustentava o Governo de Salazar. Feita a partir de uma valorosa investigação, englobando inúmeros estudos, assim como o uso de fontes primárias donde se destaca, pela inovação, a consulta ao espólio de Teixeira de Sampaio. Apesar do título, fica-se a saber que, mesmo sendo Salazar o líder que centrava em si o exercício do poder, a diplomacia do país era influenciada por personagens como Armindo Monteiro, "homem orgulhoso, com um mau génio e ciente do seu alto valor intelectual" (p. 539), ou Teixeira de Sampaio, o todo-poderoso secretário-geral do MNE.

Dividido em 14 capítulos, a centralidade do livro foca-se na 2ª Grande Guerra (cap. 6 a 12), com detalhada descrição dos longos processos que envolvem a neutralidade, a cobiça dos Açores e a ocupação de Timor. O Estado Novo e os Judeus, embora não fosse um assunto central para a diplomacia portuguesa, pois tomava uma "posição de deliberado distanciamento da questão judaica" (p. 418), é uma problemática abordada pelo autor, não esquecendo o infortúnio dos judeus portugueses da Grécia, sem que "nenhum esforço fosse feito para os salvar" (p. 417). Nos capítulos anteriores (cap. 1 a 5) é temática dominante Portugal na Sociedade das Nações, particularmente a procura por lugar no Conselho (órgão similar ao Conselho de Segurança da ONU), e a Guerra civil de Espanha, onde o autor conclui que "é difícil de sustentar que Portugal tenha tido uma influência decisiva na política externa de Franco" (p. 534). Nos dois últimos capítulos (cap. 13 e 14) domina a procura de Portugal por um lugar no mundo pós-guerra: a adesão ao Plano Marshall e à NATO, o esboçar do Caso de Goa e a tentativa de adesão à ONU.

Na conclusão, o autor destaca as capacidades de Salazar como negociador. Aliava inteligência e frieza com obstinação e resistência, levando ao limite os assuntos e cedendo "justamente antes de os seus interlocutores perderem definitivamente a paciência". Na negociação "não utilizava subterfúgios". A isso acrescentava uma sinceridade para com os compromissos assinados que o faziam respeitado: "Uma vez concluído o negócio, cumpria escrupulosamente o acordado" (p. 537). Como feito, "uma coisa que Salazar indubitavelmente conseguiu foi devolver a Portugal protagonismo e respeito no plano internacional" (p. 538). Numa altura em que os impérios coloniais não eram ainda anacronismos, "a pedra de toque da política externa salazarista era a defesa da integridade da pátria e do império.", no seguimento do que se passava antes, quando "era o Partido Republicano que se queria o mais patriota e intransigente defensor do império colonial" (p. 540).

O trabalho historiográfico baseia-se na consulta de acervos documentais, mas outras fontes como memórias de participantes nos eventos trazem mais-valias. A obra podia ter sido enriquecida com a utilização de memórias como as de Serrano Suner ou Pedro Teotónio Pereira. A caracterização do Marechal Carmona como maçom (p. 20) merece alguma precaução. De facto, na viragem do século XX foi iniciado no triângulo nº1, de Chaves, mas não passou do grau de Aprendiz e não se lhe conhece mais nenhuma actividade maçónica. Pelo contrário, veio a participar na ilegalização da Maçonaria. O autor refere que Armindo Monteiro "regressou à universidade e retomou a actividade empresarial" (p. 376) após a saída de Londres, em 1943, mas foi ainda Procurador à Câmara Corporativa e membro do Conselho de Estado. Interessante o registo de uma proposta brasileira para ser Lisboa a sede da ONU (p. 470). A procura de Salazar por um "bloco latino" (pp. 120, 354) é um aspecto a considerar em novos estudos."

Ocasionalmente, a obra torna-se demasiado afirmativa e conclusiva, partindo por vezes de suposições, como quando diz que "o mais certo é que Salazar se tenha limitado a dizer" (p. 326). Infeliz é a comparação que não coloca o "expansionismo soviético" ao mesmo nível da "barbárie nazi" (p. 432). Ficam também a transparecer algumas antipatias pessoais do autor, como no caso de Serrano Sunner: "era todo ele prosápia e mania das grandezas castelhana" (p. 247), agia por "esbirros" (p.234) ou "malevolamente" (p. 236). Causa certa estranheza que Salazar seja designado vezes sem conta por "ditador" e igual tratamento não seja aplicado aos restantes líderes autoritários, referidos por cognomes (Caudilho, Generalíssimo, Duce, fuhrer, Negus, imperador), ou apenas pelo nome. Poderia existir um maior equilíbrio.

Em balanço final, fica na memória uma obra de leitura apaixonante e que permanecerá como referência para a temática. E no ar, a expectativa e a esperança da continuação de igual trabalho para os anos seguintes.