19 dezembro 2013 8:00
19 dezembro 2013 8:00
Nos últimos dias, já perdi a conta aos meus amigos de direita que atacaram o humor de Ricardo Araújo Pereira pelo flanco da política. As invectivas têm várias formas, mas o raciocínio é quase sempre o mesmo: Ricardo Araújo Pereira já não tem graça porque é esquerdista, porque tornou demasiado evidente a sua posição ideológica ao assinar o manifesto "3D" a par de políticos de esquerda. Mas, caramba, hoje em dia qual é a gravitas de um manifesto de esquerda? Assinar um manifesto vermelhusco é tão comum ir à praça comprar um par de peúgas. Portanto, vamos lá ver se nos entendemos: a qualidade humorística de Ricardo Araújo Pereira não depende das suas posições políticas; a esquerda e a direita são irrelevantes na hora de avaliarmos a dimensão artística de x ou y. Eu acho que ele tem graça, aliás, acho que foi tocado pela Graça, apesar de pensar que este jovem humorista está longe do pico de forma há muito tempo.
Sim, Araújo Pereira está preso a uma persona, e essa personagem está a secá-lo. É sempre o mesmo trejeito na cara, é sempre a mesma piada, é sempre a mesma inflexão na voz. Já não cola. Já cansa. O botão de fast forward da box só pode ter sido inventado para passarmos à frente aqueles anúncios cabotinos do MEO. E esta "baixa de forma", para usarmos um benfiquismo, já tem anos. Os Contemporâneos (2008) davam 5 - 0 aos Gatos. Aquele programa da RTP arriscava mais, tinha bonecos mais corrosivos (o-gajo-tão-vaidoso-que-não-suporta-não-ser-comido-pelo-amigo-gay) e pisava o risco do politicamente correcto (o casamento cigano gay). Porquê? Talvez porque Bruno Nogueira é mais corajoso do que Araújo Pereira. Tal como Herman José, Nogueira sabe que está a fazer inimigos quando cria certos bonecos. Não se sente este espírito em Araújo Pereira. Mas, como velho fã do homem, estou certo de que Araújo Pereira regressará à boa forma. O humor da primeira fase dos Gatos, na SIC radical, era brilhante ("o papel, qual papel?"; o gajo de Alfama que comenta política internacional: "os 'amaricanos' têm um míssil que apanha o cheiro a chamuça, pá"). Esse brilhantismo regressará quando Araújo Pereira voltar a arriscar na escrita.
Quando achava que ele tinha muita graça, as suas posições políticas eram irrelevantes para o meu juízo estético. Quando digo que ele está sem graça, a sua ideologia volta a ser irrelevante. Quando afirmo que ele voltará a ter graça não estou à espera de uma conversão direitolas ou católica. Vamos lá ser um bocadinho, como se diz?, civilizados.