18 fevereiro 2011 8:27
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VI. A segunda grande face de O Tesouro Escondido está na relação (íntima, diga-se) entre fé e beleza. E sobre este ponto gostava de falar de uma escritora que é muito apreciada por Tolentino Mendonça: Flannery O'Connor. Ora, sem o respeito pela fé (não é preciso sentir a fé, não é preciso ser crente; basta conceber a sua existência e não gozar com ela logo à partida) nós não compreendemos a beleza esmagadora de Flannery O'Connor. O nosso "ar do tempo" das cascas de cebola fala muito em O'Connor. Fala da sua beleza bizarra, das suas atmosferas mágicas, como se O Céu é dos Violentos fosse uma espécie de realismo mágico aplicado ao sul dos Estados Unidos. Meus amigos, O'Connor não é bizarra ou mágica. O adjectivo a usar é outro: O'Connor é profundamente religiosa. Religiosa. As suas narrativas resultam da sua fé cristã, da sua fé católica. As suas atmosferas asfixiantes nascem daqueles mistérios cristãos, daquele mistério do texto bíblico (aliás, a escrita de O'Connor faz lembrar a escrita da Bíblia). Ou seja, a sua imaginação vem deste mundo espiritual que não se deixa vencer pelas explicações lógicas e científicas. Como diz Tolentino noutro livro (Hipopótamo de Deus), as pessoas
O nosso "ar do tempo" não consegue estabelecer esta ligação entre a fé de O'Connor e a beleza dos livros de O'Connor, porque está preso naquele cinismo que goza - à partida - com a fé, porque está preso nessa ideia tontinha de que a fé não pode ser sofisticada ou bela. Ante esta máfia do cinismo, ler Tolentino faz bem. Desintoxica.