A Tempo e a Desmodo

Cardozo e a Catedral de Leverkusen

19 fevereiro 2013 8:00

19 fevereiro 2013 8:00

Óscar, meu querido, esquece aquilo que escrevi sobre o tijolo que tens no pé direito. Hoje quero apenas dizer-te uma coisa: o teu golo de quinta-feira foi lindo. Não teve, é certo, a geometria divina do golo do Matic contra os norte-coreanos, mas não deixou de ser uma espécie de viagra metafísico. Levantei-me, ergui os braços, olhei para cima e, contra o costume, não gritei. Um grito estragaria a contemplação. Co'a breca, que golo. A finta de anca que deixou o central no chão parecia coisa de sambista e aquele carinho na bola demonstrou delicadeza de ourives. Foi um golo tão bonito, tão latino, tão delicado, tão pouco alemão, que, confesso-te, chorei um pouquinho quando revi a jogada a partir deste ângulo.

E nem esperei pelo fim do jogo para vasculhar o estendal da memória à procura de golos parecidos, golos assim delicados, golos que não nasceram de remates mas de piparotes dados com a ponta da chuteira. Para começar, encontrei o segundo golo de César Brito nas Antas. Como podes ver, o nosso homem picou a bola por cima de Vítor Baia e do guarda Abel. Ouvi este golo agarrado ao relato da Rádio Renascença numa tarde de domingo de 1991. Agarrado ao meu pai nas bancadas do Jamor, vi outro golo assim, o primeiro da final da Taça de 1993. Aquela equipa maravilhosa avançou no campo através do milagre da multiplicação das tabelinhas e, com o tal piparote, Paneira chapelou Lemajic, o nosso freguês favorito dos anos 90: encaixou cinco nesta final (pelo Boavista) e, no ano seguinte, foi o guarda-redes do Sporting no famoso 6-3.

Mas quero terminar a conversa com um golo da tua equipa, do teu Benfica, caro Óscar. Olha, por exemplo, para este não-remate de Saviola (o Saviola verdadeiro, o de 2010, não os hologramas de 2011 e 2012). Lembro-me que tive uma reacção parecida à de quinta-feira: levantei-me do sofá, ergui os braços, fiquei mudo e fui buscar um moscatel para embebedar aquele não-remate. Sim, o golo de Saviola é magnífico, mas estou desconfiado que o teu golo será o golo desta era jesuítica e cardozista do Benfica. O teu golo alemão é tão bonito, que até merece uma alcunha, ou melhor, um cognome. Por mim pode ser "A Catedral de Leverkusen".

 

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