A Tempo e a Desmodo

As mães solteiras do Papa

4 março 2014 8:00

4 março 2014 8:00

Este Papa não é um panzer intelectual, não tem a profundidade teológica de Ratzinger, nunca terá dez lombadas na estante cá de casa. Mas o argentino sorridente tem outra qualidade. É um almocreve que anda na realidade, é um sujeito carnal que anda cá em baixo junto da carne pecadora. Eu gosto disso. Andar à beirinha do pecador devia ser o pão com manteiga do catolicismo, mas não é. Há demasiada gente a fugir da imperfeição quando o caminho certo é o inverso, sim, o caminho católico é feito na direcção daqueles que estão à margem, daqueles que não tiveram a chance de serem perfeitinhos. O caminho não passa por ficar sentado numa virtude fechada, na posse só de alguns, uma virtude que se alimenta do ódio em relação ao exterior, uma raiva contra certas tribos de pecadores. 

Há dias, Francisco baptizou o filho de uma mulher solteira e a filha de um casal que está casado apenas pelo civil. Afastado das normas do costume, este acto de Francisco tem uma simplicidade brutal, uma simplicidade que abre a Igreja a pessoas que muitos paroquianos vêem como o outro, o outro que funciona como o negativo da gloriosa perfeição católica que muitos julgam ter no bolso. Ou seja, Francisco está a relembrar que a Igreja não nasceu para a censura de quem não segue um manual de conduta fechado. A caridade católica não está aí. 

Francisco sabe os terrenos que pisa, sabe que muitos católicos estão centrados numa atitude de expulsão e não de tolerância. É assim um pecado tão grande ser mãe solteira? O Papa acha que não, mas muitos católicos ainda olham de lado para estas mulheres - uma hipocrisia notável, dado que estas são as pessoas que depois aparecem na campanha contra o aborto. A Igreja Católica não pode ser uma seita, não pode ser um exército de linha onde toda a gente é a cópia de um modelo. Para fazer algum sentido neste mundo, a Igreja só pode ser um albergue para uma multidão de gente diferente, imperfeita, pecadora. O problema é que muitos católicos ignoram Maria Madalena, partem do pressuposto de que Maria Madalena é só uma invenção maldosa de Dan Brown.