Luz e lata

Gulbenkian: um "shot" de liberdade, hoje...

23 abril 2014 8:38

Fátima Pinheiro

Quero fazer as distinções essenciais?

miguel areal sanches

23 abril 2014 8:38

Fátima Pinheiro

Eduardo Lourenço encerra hoje com chave de ouro a Conferência "A Ditadura Portuguesa: porque durou, porque acabou", que a Gulbenkian acolhe desde ontem. Às 17h30 dará a Voz aos Ex-Presidentes da República: António Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio. José Pedro Castanheira, da comissão organizadora, conclui os trabalhos. É obra juntar em dois dias personalidades tão ricas e diversificadas a pensar esta questão. Perdi o dia de ontem, mas só o de hoje tem pano para mangas e corre-se o risco de nos perdermos também. Nas vésperas de mais uma comemoração de Abril, com anunciadas divisões, em que uns falam num lado, e outros falam noutro, ao mesmo tempo e à mesma hora, tudo conta. E mais ainda quando, como é o caso, se reúnem protagonistas de diversas especialidades e cores políticas. Tantas são que é uma espécie de "shot" de liberdade. O problema aqui é que se calhar nem todos por ela entendem o mesmo.

Isso - de por "liberdade" nem todos entenderem o mesmo - de si é um bem, porque é sinal de que não temos mesmo cabeças formatadas. Mas o importante é que se clarifique, que se façam as distinções essenciais.  O problema destes encontros é sempre o mesmo: encontram-se posições teóricas, mas não se encontram as pessoas. Mais: as posições teóricas não se afinam por uma linguagem bem clarificada, o que tem como consequência cada um falar para o seu lado. Por isso é que a parte dos "testemunhos" tem sempre muito sucesso. Aí não há dúvidas; fala-se da vida. Neste caso da Conferência de hoje, serão D. Manuel Clemente (Patriarca de Lisboa) e Mota Amaral, de manhã, e Ana Maria Caetano, Werner Herzog (jornalista suíço, enviado especial a Portugal) e Otelo Saraiva de Carvalho, à tarde, que cabe essa parte.

Espero contudo que o sucesso esteja garantido também no saber debater as questões anunciadas: Instituições e Regime, Marcelismo e Transição para a Democracia, Instituição Militar na Criação, Sustentação e Derrube da Ditadura e domesticação das mulheres nas leis do Estado Novo. E que Luis Marinho, Maria Flôr Pedroso e Helder Macedo saibam conduzir do painel de controlo o esgrimir de fatos e argumentos que não vão parar durante o dia de hoje. E que as conclusões, a cargo de Kenneth R. Maxwell (Harvard University) e José Miguel Sardica (Universidade Católica Portuguesa), o sejam mesmo.

E que no tempo para perguntas e respostas seja isso mesmo que se faça. E não o que muitas vezes fazemos, e escuso de lembrar. Atirar a bola para o campo ao calhas. Chutar para canto. E coisas assim.

A luta continua, sim. Mas seria bom que continuasse em frente, e não andássemos em eternos retornos do mesmo. A História não se repete, mas rima, disse um dia alguém muito importante. Sem olhar para o passado nada acontece. Sem esse recuo estratégico como saberia eu o que corresponde às minhas mais elementares exigências e evidências de justiça, verdade, amor e felicidade? Não saberia. A liberdade - e o que é isso? - tem sempre um rosto. É esse que procuramos. São esses que procuramos.

Da minha parte sei de experiência feita o que é ser livre. Por meu livre pensamento, já me foram muitas vezes encerrar. Mas a mim não me chega ouvir o vento, ouvir o mar. A poesia conta, sente, mas não articula. Hoje? Que se articule na Avenida de Berna, junto à Praça de Espanha! Pode ser um passo para que o dia 25, em todo o seu simbolismo e nas comemorações que se anunciam "desavindas", seja um passo em frente, uma alavanca. Não tempo de ressentimentos, umbigos, mas de arrependimentos e de céus. Na terra, obviamente, Salazar. Um "shot" de categoria e protagonismo para a construção de uma vida humana, "mesmo", de que o Ocidente e o mundo - eu, quero dizer - carece. Senão pergunto: o que andamos aqui todos a fazer?