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Bárbara Tinoco ao vivo no Campo Pequeno: nasceu uma estrela muito à frente do resto

Com a sala lisboeta esgotadíssima, Bárbara Tinoco deu um impressionante espetáculo pop como poucas vezes se viu de uma artista portuguesa. Uma hora e meia de concerto de grande aparato cénico, três convidados e uma canção em russo, com o namorado. Um disco novo para mostrar, “Bichinho”. E uma certeza: Tinoco veio para ficar

Paulo André Cecílio (texto), Sebas Ferreira (fotos)

“Tinoco, tu fazes-me estupidamente feliz”. A frase estava num de vários cartazes espalhados ao longo da plateia, concentrando tantos olhares quanto as coroas de luzes que eram vendidas à porta e, logo de seguida, envergadas no interior do Campo Pequeno, em Lisboa. Famílias muitas e crianças idem, naquele que deveria ser, para muitas, o seu primeiro concerto ao vivo. No palco, a 360º, três cavalos insuflados, bugigangas várias em tamanho gigante, luzes arroxeadas. Um espetáculo cénico como poucas vezes, que é para não dizer nunca, se viu da parte de uma artista portuguesa.

Não foi preciso Carolina Deslandes dizê-lo, quando ali subiu para, costas com costas, cantar ‘Coisas No Silêncio’: qualquer coisa como “o maior espetáculo da história da pop portuguesa”. Essa já era a ideia que se tinha, quando nos deparamos com tamanho aparato, tudo pensado ao pormenor, tudo inesperado quando nos lembramos que Bárbara Tinoco mal chegou à meia década de carreira.

A artista, depressa percebemos, tem como principal influência pop a Cartoon Network: um jeito meio infantil cruzado com conversas bastante sérias, com algumas piadas que só os adultos entendem. A dada altura, Bárbara Tinoco fala de “amigos coloridos, uns mais a cores, outros a preto e branco”, e isso, numa plateia onde metade dos presentes deveria ter menos de 12 anos, é tão estranho quanto o é extraordinário. Porque acaba por ser meio subversivo, da mesma forma que “O Incrível Mundo de Gumball” ou “Regular Show” são séries subversivas.

Indo por aí, Bárbara Tinoco poderia ser tão punk quanto os primeiros acordes de ‘God Save The Queen’, dos Sex Pistols, pelo menos no seu métier. Punk, no sentido em que fez e faz o que quer, nada se preocupando se tem aceitação ou não. E teve-a, claro, ou não teríamos estado aqui. O que ela fez no Campo Pequeno não foi, ainda, assim, a sua consagração. A sala estava esgotadíssima. No final, a própria admitiu ter sentido relutância em marcar um concerto nesta sala, em conversa com o seu agente. Mas essa consagração está provavelmente marcada para outubro de 2024, o mês em que Tinoco atuará na maior sala de espetáculos do país, a Altice Arena.

Para já, o que aqui tivemos foi uma estrela pop em ponto de rebuçado. Com “Bichinho”, o seu novo álbum, lançado na véspera, foi com as canções aí presentes que se construiu boa parte do alinhamento. ‘Ensina-me a Voar’ foi a primeira da lista, com Tinoco presa por um arnês, balançando-se para a frente e para trás. Em círculo, quase duas mãos cheias de pessoas, a banda que a acompanha. ‘Outras Línguas’, imediatamente a seguir, trouxe ao Campo Pequeno algum funk-via-Moloko, pautado por um solo de vibrafone (e ninguém, absolutamente ninguém, na pop, faz solos de vibrafone).

“Sejam muito bem-vindos ao universo da nossa tour… prometo que não vão sair desiludidos”, atiraria antes de ‘Despedida de Solteira’. Será difícil encontrar alguém desiludido com o que pareceu ser o nascimento de um novo grande nome da música portuguesa, mesmo que por vezes tenha parecido algo acanhada, nomeadamente na forma como se posicionava em palco ou nos momentos em que (não) soltava a voz. Essa, soltou-a o público, por diversas vezes, como em ‘Sei Lá’. A muita autodepreciação que foi debitando também foi de encontro a essa ideia. Até ter um single de sucesso, confessou, “nunca acreditei que era artista, que fazia parte desta indústria”.

Para além de Deslandes, Bárbara Tinoco acolheu dois outros convidados: Bispo, chamado ao palco para tema e meio (um deles ‘Planeta’), e o seu próprio namorado, o músico russo Feodor Bivol, que compôs com Tinoco a esmagadora maioria de “Bichinho”, e com o qual cantou um tema, dedicado à sogra, na língua-mãe deste. “Nós não escolhemos a nossa família”, desculpou-se, numa espécie de referência à guerra na Ucrânia. Pelo meio, dedicou-lhe ‘Bichinho’, cantada numa espécie de globo de neve, entregando também ‘Carta De Guerra’ aos avós, casados há 52 anos.

Bárbara Tinoco ao vivo no Campo Pequeno, 22 de abril de 2023
Sebas Ferreira

Um momento em que o quarteto de cordas que a acompanha deu música a uma coreografia/bailado (retomando a ideia de subversão porque, uma vez mais e fortalecendo, quem é que faz isto na pop?) apresentou-se tão bizarro quando absurdamente genial, bocas abertas em busca de compreensão. ‘Querido Ex-Namorado’ foi cantada ao vivo, enquanto o videoclip que a acompanha, ainda por divulgar, foi estreado nos ecrãs que rodeavam o palco. E ‘Cidade’ foi iluminada pelas luzes dos telemóveis alheios, cuja comparência foi mais que solicitada.

Até final, o Campo Pequeno acolheria um solo de bateria, ao que se seguiu um momento de extrema percussão antes de ‘Gisela’, canção “para todas as meninas solteiras”. ‘Ai Ai’, sobre violência doméstica, foi estranhamente colocada a seguir à bossa nova que interpretou com o namorado, e a frase “se algum dia conhecerem uma pessoa famosa e ela for assim, arrogante, tenham pena dela” fez rir. Antes do encore, a sua voz radiofónica: para todos os agradecimentos e mais alguns, para todas as piadas cartoonescas e mais algumas. ‘Linha de Sintra’ e ‘Chamada Não Atendida’, enfeitada com os confetti da praxe, deram por terminado um dos mais gloriosos espetáculos pop que uma artista nacional já fez. Repetimo-nos ao dizê-lo? Temos de nos continuar a repetir. Não é que Bárbara Tinoco vá longe; o que se passa é que já está muito à frente do resto.

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