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Bon Iver, ou a arte de descristalizar canções, ao vivo na Altice Arena: uma noite de encher o coração

Bon Iver
Bon Iver

Os Bon Iver regressaram na noite desta sexta-feira a Lisboa, a sua “cidade favorita em toda a Europa”, para trocar juras de amor com um público que não foi à Altice Arena apenas para ouvir “aquela”. Um falsete no ponto, vigorosos solos de saxofone e canções que não se deixam cristalizar compuseram uma receita vencedora

No universo lírico de Bon Iver cabem lobos, cabe fé e cabem (des)amores arrebatados. No coração de Justin Vernon, timoneiro do coletivo norte-americano, cabe, num lugar muito especial, a cidade de Lisboa. E esta noite, no regresso para um espetáculo na Altice Arena, três anos depois de uma passagem pelo NOS Alive, Vernon e seus comparsas brindaram o público ávido com canções do passado e de um presente que, devido a adiamentos pandémicos, já não é bem de hoje. “I, I”, o quarto álbum de originais do grupo, saiu em agosto de 2019, apenas um mês depois da passagem pelo festival de Algés, mas foi dele que saltou grande parte das canções que perfizeram o alinhamento do espetáculo desta noite: da simbiose perfeita entre o esqueleto acústico e os experimentalismos sintéticos de ‘Faith’ à bateria cavalgante de ‘Naeem’, passando, claro, por uma etérea ‘Hey, Ma’.

É certo, e sabido, que as canções são entidades vivas, que se vão moldando ao momento em que as escutamos e que, ao longo do tempo, se transformam e expandem de cada vez que são levadas a palco. E é nisso que os Bon Iver são verdadeiros mestres. Reconhecemo-las, às canções, (quase) sempre, mas elas nunca soam exatamente àquilo que temos guardado na memória. Tal acontece, por exemplo, com ‘Perth’, tema que abre o seminal álbum homónimo, de 2011, e que, esta noite – a última da digressão europeia – serviu, de igual forma, como arranque do concerto. Claro que essa capacidade de ‘descristalizar’ canções não está ao alcance de todos, mas Vernon está belissimamente secundado por músicos tão exímios quanto o teclista e baterista S. Carey, a guitarrista e teclista (e vocalista) Jenn Wasner – também do duo Wye Oak – ou o virtuoso multi-instrumentista Mike Lewis, cujos solos de saxofone arrebatam, em ‘____45____’ e ‘Sh’Diah’, chuvas de aplausos.

O palco, decorado com néones geométricos e encimado por luzes que se movimentam em sincronia (e, por vezes, em dessincronia), entra em efervescência com os sintetizadores fluorescentes de ‘666 Cross’, a intensidade de ‘Heavenly Father’ ou o dueto com Wasner em ‘U (Man Like)’, mas o público reage de forma mais efusiva, assobiando de aprovação, quando Vernon se atira, sozinho (e sob o signo de Imogen Heap), a uma apaixonada ‘715 Creeks’, com o rasgo da sua voz a multiplicar-se e a ecoar por todos os recantos da arena. Momentos mais tarde, uma das maiores ovações da noite chega para brindar ‘Blood Bank’, resgatada a um velhinho EP, de 2009, o que parece comprovar que os fãs ocasionais estariam em larga minoria na sala do Parque das Nações. Só perto do final do concerto o músico se dirigiu de forma mais alongada à plateia, depois de um ou outro “adoro-vos”, para dizer: “Não ponham isto no YouTube, mas esta é a nossa cidade favorita em toda a Europa. Vocês vivem num sítio maravilhoso e são pessoas lindas. Obrigado por virem ao nosso espetáculo”.

Quando, finalmente, Vernon rasga as cordas da sua guitarra para denunciar ‘Skinny Love’, a canção que tirou Bon Iver do anonimato há 14 anos e, claro, o momento mais aguardado da noite, já estão alinhados no ar milhares de telemóveis. O falsete no ponto e um coro monumental estimulam o momento mais certeiro da noite, prosseguido com uma onírica ‘Holocene’, que não perdeu um milímetro de charme passados todos estes anos. Quando, instantes mais tarde, a banda abandona o palco depois de uma falsa despedida, rapidamente ecoa um chorrilho de assobios. As luzes, claro, não se acendem, e o regresso para o encore está garantido. “Não há palavras. Gostamos tanto de vocês”, ouve-se, antes do arranque acústico de uma velhinha ‘Flume’. E há ainda tempo, entre “tanto amor”, para uma progressiva e ventosa ‘The Wolves (Act I and II)’ e ‘RABi’, o intenso encerramento de “I, I”. “Vemo-nos para a próxima”, atira Vernon na derradeira despedida. Avaliando pela troca de juras de amor entre banda e público, não nos custa a crer que “a próxima” seja tão cedo quanto a agenda dos Bon Iver o permitir.

Esta reportagem não se faz acompanhar por fotos porque os Bon Iver não permitiram a captação de imagens.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: MRVieira@blitz.impresa.pt

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