Basta que alguém tenha o mínimo de sentido de humor e algum tempo para gastar para que nasça uma nova página na Wikipédia: a lista de bandas internacionais com um amor imenso por Lisboa. Dela fariam parte, sem qualquer sombra de dúvida, os Wolf Alice. Admitiram-no os próprios, em entrevista à BLITZ, com a capital a merecer adjetivos como “deslumbrante” e “de uma beleza muito romântica”. Já o tinham admitido em 2015, quando uma canção chamada ‘Lisbon’ fez parte do alinhamento do seu álbum de estreia, “My Love Is Cool”. E voltaram a admiti-lo ao longo do dia, primeiro nas redes sociais (nessa eterna procura pelo melhor pastel de nata), e depois no palco do Coliseu dos Recreios, com o baixista Theo Ellis a berrar, antes do final do concerto: «adoramos isto comó caraças!…».
Os Wolf Alice amam Lisboa, mas Lisboa não correspondeu como os Wolf Alice talvez mereceriam: com casa cheia. O Coliseu esforçou-se para se encher pela metade, naquele que foi o segundo concerto dos britânicos em Portugal em 2022, meros três meses após terem feito a primeira parte de Harry Styles, na Altice Arena. Independentemente dos motivos para tamanha ausência de público, saúde-se o facto de o concerto ter começado a uma hora não muitas vezes vista em Portugal fora do contexto festivaleiro: 20h, tempo mais que suficiente para sair do trabalho, jantar, e permitir a quem mora nos subúrbios e não tem carro apanhar tranquilamente um transporte de volta a casa.
Em noite de Halloween, vislumbraram-se aqui e ali alguns mascarados, entre eles a própria Ellie Rowsell, cara maquilhada em tons vampirescos. No PA, pouco antes da entrada do grupo em palco, o famoso tema d'"Os Caça-Fantasmas" arrancou algumas gargalhadas e, naturalmente, um grito coletivo durante o refrão. Mas não há nada na música dos Wolf Alice que assuste: há emoção, há coração, há uma alma que oscila entre o punk mais britânico e o grunge dos anos 90. Muitas guitarras a ranger, mas também melodias coloridas a bailar debaixo de uma camada de luzes epiléticas.
Poucos, mas bons, os presentes foram correspondendo da melhor forma à descarga de energia que se ia fazendo ouvir, e até sentir, com o chão a tremer, a espaços, só com a força dos graves. ‘You’re A Germ', que os Wolf Alice já tinham tocado na Altice Arena, voltou a dar um ar de sua graça e mereceu acompanhamento com palmas. Esse início mais acelerado acabaria por ser cortado pelo piano de ‘Delicious Things’, com o melodrama adolescente de ‘Lipstick On The Glass’ a suceder-lhe. Dois jovens no balcão, à esquerda, viveram-na de braços e gargantas sempre no ar. Pensamos: um bom concerto é isto, um local onde se tem a certeza de que aquela banda canta para nós.
Bom, sem ser extraordinário, o concerto dos Wolf Alice voltou a meter a quinta em ‘Space & Time’, que findou com Theo a garantir que o grupo «nunca teve um público como este». A bonita ‘Safe From Heartbreak (If You Never Fall In Love)’ contou com a silhueta de Ellie projetada no fundo do palco, e uma sirene daria o mote, pouco depois, para o delírio punk de ‘Play the Greatest Hits', com a vocalista a encarnar o melhor dos espíritos de John Lydon (a culpa é da cadência que lhe emprega): It isn't loud enough!. E sim, por vezes não o foi. Mas que importa isso?
Se ‘Feeling Myself’ trouxe alguns vislumbres de apoteose via guitarras elétricas, ‘Visions Of A Life’ ameaçou trazer a casa abaixo, mudando várias vezes de velocidade e, a meio, arrastando-se num feedback delicioso que deu lugar a aplausos e ao psicadelismo. ‘Giant Peach’ e uma simulação sexual em quatro cordas deram por terminado o concerto, até surgir o obrigatório encore, com uma surpresa: ‘Lisbon’, pois claro, que teve aqui honras de estreia nesta nova digressão dos Wolf Alice, já depois de ter merecido o estatuto de mini-meme no Twitter. ‘The Last Man On Earth’, com os telemóveis ao alto a iluminá-la, e ‘Don’t Delete The Kisses' fechariam, de vez, esta hora e meia dos Wolf Alice em Lisboa, e houve quem acabasse a atirar-lhes flores. Arrisquemos dizê-lo: não faltará muito para comprarem cá casa.
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