Já lá vai uma dúzia de anos desde que os Sade lançaram um álbum, Soldier of Love. Depois disso, a voz de Sade Adu, a vocalista do grupo, só se deu a ouvir em “Flower of the Universe”, tema que em 2018 foi incluído na banda sonora da adaptação de Ava DuVernay de A Wrinkle in Time. Ainda no mesmo ano, “The Big Unknown”, outra nova canção, ganhou lugar na banda sonora de Widows de Steve McQueen, reforçando a ideia de que o longo hiato poderia estar prestes a ser interrompido. Foi por isso com justificado entusiasmo que o mundo recebeu há dias a notícia de que a cantora está em estúdio, em França, a gravar com a sua homónima banda um novo trabalho de longa duração.
Em declarações à Billboard, o produtor Damien Quintard, corresponsável pelos Miraval Studios que se situam em Correns, França, garantia que dava para se “sentir o amor que ela e a sua banda têm por este lugar”. Compreende-se: o estúdio está instalado no Chateau Miraval, uma paradisíaca propriedade com vinhas que em 2012 foi adquirida por Brad Pitt e Angelina Jolie (é uma das posses do casal que é disputada no seu mediático processo de divórcio). A banda já conhece o estúdio desde os anos 80.
Em 2020, o grupo lançou This Far, caixa que reuniu versões remasterizadas e prensadas em vinil dos seis álbuns da sua celebrada discografia: Diamond Life (1984), Promise (1985), Stronger Than Pride (1988), Love Deluxe (1992), Lovers Rock (2000) e Soldier of Love (2010).
A cantora nascida na Nigéria em 1959, mas educada em Essex, na Inglaterra, orientou pessoalmente o processo de remasterização dos seus clássicos nos conceituados estúdios londrinos de Abbey Road com o engenheiro Miles Showell, contando para tal com a colaboração estreita dos restantes membros da banda que carrega o seu nome, Stuart Matthewman, Andrew Hale e Paul Spencer Denman e ainda do seu produtor habitual, Mike Pela.
O trabalho de restauro áudio foi realizado a partir de cópias digitais de alta resolução dos masters originais e a remasterização insere-se na série Half Speed Masters que os engenheiros de Abbey Road têm vindo a construir e que inclui reedições de material de Brian Eno, OMD, Japan, Amy Winehouse ou The Human League, entre tantos outros nomes que produziram obras clássicas. O que faz, aliás, pleno sentido: os álbuns da banda Sade, sobretudo a trilogia lançada ainda nos anos 80, são claros símbolos de uma era específica do áudio, quando a gravação analógica multipistas atingiu o seu apogeu. A música desses álbuns misturava uma visão muito própria da soul e R&B com algum jazz mais suave e foi descrita como Quiet Storm, referência directa a um clássico de meados dos anos 70 de Smokey Robinson, mas também a uma passagem da letra de “The Sweetest Taboo”, tema de Promise, o segundo registo de longa duração da banda, datado de 1985.
Pretexto, por isso mesmo, mais do que adequado para se mergulhar nessa singular e concisa obra em busca de 20 momentos de exceção.
Em lendária crítica para o Village Voice, Robert Christgau, amplamente apontado como o decano dos críticos americanos, saudava o “gosto, conceito e som” de Sade expresso logo no primeiro momento do primeiro álbum. O álbum foi Top 5 na América e o single, compreensivelmente, atingiu o lugar cimeiro das tabelas.
Voz de seda, solo de saxofone tenor logo a abrir, tudo certo. Dependendo de Sade e do seu homónimo grupo, a natalidade do mundo estava assegurada: bastava meter este tema a tocar (na aparelhagem, claro, que ainda era 1984 e o mundo não fazia ideia do que eram o streaming ou as colunas Bluetooth)!
Hang On To Your Love (1984)
O reinado de Sade nas tabelas de singles americanas começou com este single, o primeiro escolhido para aquele mercado. Curiosamente, foi pelas “charts” mais sintonizadas com os clubes de dança que o tema começou por se fazer notar, sinal de que nas discotecas este tema estava a obter o devido eco.
Tema longo, atmosfera de jazz suave e um amor que é tão avassalador que até parece crime. Não era a receita mais imediata para um single e ainda assim “Is It a Crime?” arrancou elogios na imprensa e furou o Top 50 no Reino Unido. Nos Estados Unidos chegou ao Top 40 das tabelas Adult Contemporary, bem mais apropriadas para este tipo de material, de facto.
Este tema é mesmo um molde perfeito do som que veio a fica conhecido como “quiet storm”, porque se facto as emoções são fundas, o som que as embala é elegante. O vídeo marcou uma era na MTV ajudando a cimentar a posição de Sade Adu como icónico símbolo para toda uma geração.
O tema é de 1985 e aparecia, discreto, a meio do alinhamento de Promise, álbum que chegou ao topo da tabela Billboard 200. Aqui podem vê-lo e ouvi-lo em intensa versão ao vivo de 2011, com o saxofone de Stuart Matthewman em grande destaque e a interpretação de Adu a merecer, como sempre, 5 estrelas.
Love is Stronger Than Pride (1988)
Primeiro single do álbum homónimo, “Love is Stronger Than Pride” fazia-se, como notava à época o Guardian, “de correntes de ar e fragmentos de guitarra espanhola” mostrando então o grupo Sade “no seu registo mais minimal”. O suficiente para Sade se rebolar na areia e nas praias da nossa imaginação.
O tema sabe a verão e o balanço valeu-lhe uma assinalável performance nas tabelas hip hop de 1988.
A música de Sade sempre obrigou os escribas a puxarem pela imaginação. No New York Times, Stephen Holden descreveu esta “Haunt Me” como “uma confissão de devoção terna, quase abjeta, que parece soltar-se de uma almofada e flutuar como uma pena durante uma sesta”. De facto... Aqui em versão ao vivo em San Diego”.
Faixa de abertura de Love Deluxe, quarto álbum da banda, “No Ordinary Love” mereceu um vídeo em que Sade Adu se apresenta como uma sereia. Tendo em conta a forma hipnotizante como canta, a ideia não é, de todo, descabida.
Por esta altura, a fórmula de tranquila sedução, com arranjos algo esparsos que deixam a voz brilhar com toda a intensidade estava mais do que refinada. À época da edição de Love Deluxe, nas páginas do Guardian garantia-se que a banda tinha aprendido a fazer muito com pouco. Pura verdade.
Em 1992, pelo menos num tema como este, Sade mostravam-se atentos ao que fazia o mundo pop avançar: há claros sinais de Blue Lines, dos Massive Attack, na produção desta faixa.
Sem a menor sombra de dúvida, uma das mais bonitas canções do arranque do novo milénio. O VH1 nomeou-a como uma das 50 melhores canções de amor de todo o sempre. Quem já a dançou sabe que é verdade.
Tema título do quinto álbum de Sade, apropriado do sub-género que nasceu do lado mais romântico e tranquilo do reggae. Uma pérola, que se escuta aqui ao vivo: “Somewhere in my sadness, I know I won't fall apart completely”.
Somebody Already Broke My Heart (2000)
Uma vez mais, a versão de palco de um dos singles de Lovers Rock, mais uma demonstração de plena elegância que aborda a sempre difícil questão dos corações irremediavelmente quebrados.
Single inaugural do homónimo sexto álbum do grupo Sade, Soldier of Love, com uma cadência mais moderna, mas com a mesma ideia de som económico e pleno de sensualidade. O truque valeu-lhes um Grammy de categoria de Melhor Interpretação R&B por um grupo. De facto, seria difícil encontrar melhor do que esta.
The Moon and the Sky (2010)
Quando pergunta “porque me fizeste chorar?”, Sade já está a dar voz a todos e todas quanto já sofreram com um coração partido. Ouçam e vejam por vossa conta e risco...
Música para gente crescida, sobre as responsabilidades da paternidade, embrulhada em balanço das ilhas. Perfeição.
Flower Of The Universe (2018)
Do filme da Disney “A Wrinkle in Time”, a canção que interrompeu 8 anos de silêncio e que deu esperança aos fãs de Sade de que a sua mágica voz poderia ainda ter mais a dizer.
Mais um tema escrito para um banda sonora, desta vez para “Widows”, de Steve McQueen, filme com Viola Davis. A outra canção na banda sonora é de Nina Simone. Faz sentido: grandes vozes chamam outras grandes vozes.
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