8 fevereiro 2010 11:00
iPad A máquina de inovação põe no mercado mais um dispositivo que vai mudar o jogo. Gadget do futuro ou decepção? As opiniões dividem-se.
8 fevereiro 2010 11:00

Heróis e actos heróicos" é um dos temas centrais da temporada no Centro de Artes Yerba Buena, em São Francisco, que se orgulha de exibir artistas contemporâneos que desafiam a forma convencional de fazer as coisas. A 27 de Janeiro, este centro acolheu um dos heróis da indústria informática: Steve Jobs, o patrão da Apple, que lançou a última criação da empresa, o iPad. Steve Jobs também é conhecido por apresentar o que não é convencional. E não desiludiu ninguém.
O iPad, que se assemelha a um iPhone da Apple em tamanho gigante e ostenta um ecrã a cores que mede quase dez polegadas (25 cm), promete mudar a paisagem do mundo dos computadores. Tem apenas meia polegada de espessura (1,25 cm) e pesa uma libra e meia (680 gramas). "É muito mais íntimo do que um laptop e tem capacidades muito superiores às de um smartphone", disse Jobs acerca desta máquina, que estará disponível em finais de Março.
O novo iPad tem limitações significativas, como os críticos se apressaram a apontar. Não tem câmara nem telefone e os utilizadores não podem fazer correr múltiplas aplicações em simultâneo. Mas a Apple deverá conseguir, a seu tempo, corrigir essas falhas. Tal como uma legião de outros computadores tablet de ecrã táctil, que deverão chegar às lojas no próximo ano, o iPad parece decidido a revolucionar a forma como os media digitais são consumidos em lares, escolas e escritórios.
Esta vaga de dispositivos poderá vir a ter um profundo impacto em alguns sectores dos media, que já estão a ser virados do avesso pela Internet. A mudança do suporte impresso para o suporte digital não foi fácil para os editores de jornais e revistas. Os leitores mostraram-se relutantes em pagar por conteúdos disponíveis na Net. As empresas não estão dispostas a pagar o mesmo por anúncios em linha e por anúncios em papel. O iPad irá provavelmente acelerar a fractura entre material impresso e conteúdo digital, o que poderá aumentar as dificuldades desta indústria no curto prazo. No entanto, os editores esperam que os tablets venham a ser o equivalente às páginas impressas do século XXI, proporcionando meios novos e atractivos para apresentarem os conteúdos e cobrarem por eles. "É uma oportunidade para os editores agarrarem uma segunda vida", comenta Phil Asmundson, da consultora Deloitte.
Por conseguinte, não é surpresa para ninguém que a Apple já tenha conseguido atrair para a plataforma iPad algumas das empresas mais cotadas do sector. Na sua apresentação, Steve Jobs revelou que a empresa já tinha firmado acordos com grandes editoras como a Penguin e a Simon & Schuster. Estas vão fornecer livros para o iPad, que poderão ser encontrados e comprados na nova loja em linha iBooks, da Apple. Outros acordos vão ser assinados antes de os primeiros iPad serem expedidos. Os utilizadores poderão ainda descarregar aplicações que lhes darão acesso às versões electrónicas de jornais como o New York Times, que apresentou uma aplicação iPad durante o lançamento.
Os parceiros da Apple do sector dos media têm sem dúvida sentimentos contraditórios quanto a negociar com Steve Jobs. No mundo da música, a Apple é hoje vista como o mau da fita, por dominar o negócio dos descarregamentos digitais, através da sua loja iTunes. A empresa conseguiu controlar o preço da música, expandindo as vendas de iPods, mas sem dar a ganhar grandes quantias às empresas discográficas. Dito isto, a Apple conseguiu dar às empresas de música uma forma de realizarem lucros em linha, o que até aí não acontecia. O elegante iPod também proporcionou a muitos produtores de conteúdos uma plataforma na qual podem cobrar pelos seus produtos.
O historial da empresa sugere que esta será capaz de tornar realidade um dos mais ardentes desejos da indústria informática. As empresas tecnológicas tentaram repetidas vezes fazer dos tablets e de outros dispositivos semelhantes casos de sucesso. Mas a zona entre os laptops e os telemóveis tem sido uma espécie de Triângulo das Bermudas para os fabricantes, refere Roger Kay, da consultora Endpoint Technologies. "Em geral, os produtos lançados nessa zona desapareciam do ecrã do radar", comenta.
Entre estes encontram-se gerações anteriores de computadores tipo tablet. Nos anos 1990, diversas empresas, incluindo a Apple, tentaram lançar estas máquinas. Quando o seu assistente pessoal digital, Newton, não conseguiu ter impacto, Steve Jobs cancelou o projecto. Os tablets voltaram a estar na ribalta por um curto período, quando Bill Gates, da Microsoft, declarou que eles se tornariam rapidamente o primeiro dispositivo informático de qualquer pessoa - e utilizando, como é óbvio, o software da sua empresa. Isto não veio a acontecer, porque os consumidores ficaram desmotivados com os preços, as interfaces de utilizador mal conseguidas e as capacidades limitadas dos tablets. Estes dispositivos, que custam quase tanto como um verdadeiro PC, continuaram a ser um produto de nicho, utilizado sobretudo em sectores como os cuidados de saúde e a construção.
Por que motivo estão agora os tablets a causar tão grande excitação? Uma das razões é que as inovações nas tecnologias de apresentação visual, baterias e microprocessadores reduziram significativamente o seu custo. O iPad da Apple vai custar entre 499 dólares [cerca de ¤353 euros], na versão de base, e 829 dólares [cerca de ¤587], numa versão com grandes capacidade de memória e uma ligação sem fios de 3G, o que o torna acessível ao consumidor comum. Uma outra razão para este optimismo é a melhoria ao nível das interfaces. O iPad exibe um grande teclado virtual, que aparece quando é preciso. Também tem características multitácteis, o que significa que se pode utilizar dois dedos para modificar o tamanho de uma fotografia. Além disso, os tablets beneficiam do facto de as pessoas já se terem habituado a comprar e consumir conteúdos em formato digital.
Tudo isto explica o motivo pelo qual outras empresas estão também a interessar-se pelo mercado dos tablets. Havia dúzias de protótipos a serem exibidos numa feira de electrónica de consumo em Las Vegas, no início de Janeiro, incluindo os da Motorola, Lenovo e Dell. Jen-Hsun Huang, director-executivo da Nvidia, um fabricante de chips gráficos, afirma que esta é a primeira vez que vê empresas de telecomunicações e fabricantes de computadores e de electrónica de consumo tão interessadas em produzir o mesmo produto. "O tablet é o primeiro dispositivo electrónico realmente convergente", comenta.
Netbooks e e-books
O iPad e outros tablets podem abalar a situação geral no mundo dos computadores. Tem havido alguma especulação sobre o facto de poderem causar estragos nas vendas dos PC de gama baixa, incluindo o MacBook da Apple. Mas o cenário mais provável é que prejudiquem as vendas dos netbooks, os mini-laptops baratos, que são utilizados sobretudo para surfar na Net e ver vídeos.
A nova máquina da Apple também representa uma ameaça para as plataformas exclusivas de leitura electrónica, como o Kindle da Amazon, embora estas possam continuar a ser populares entre os mais vorazes devoradores de livros. A muito aguardada entrada da Apple no mercado dos tablets já obrigou as empresas de leitores de livros electrónicos a ponderarem tornar os seus dispositivos mais versáteis e mais atractivos. "Vamos ver mais leitores a utilizar cores e vídeo, nos próximos anos", prevê Richard Archuleta, da Plastic Logic, que fabrica o Que proReader. E outros fabricantes de plataformas de leitura electrónica poderão imitar a recente decisão da Amazon de deixar que outras empresas de desenvolvimento criem software para a sua linha de Kindles.
Os editores de livros têm a secreta esperança de que a entrada da Apple nos e-books contribua para reduzir o poder da Amazon: o Kindle detém 60% do mercado de leitores de livros electrónicos, de acordo com a Forrester, uma empresa de consultoria e estudos de mercado. Também estão entusiasmados com as possibilidades de combinação de diversos media proporcionadas pelos tablets. Bradley Inman, o patrão da Vook, uma empresa que mistura textos e vídeo e faz as ligações às redes sociais, acredita que o iPad vai desencadear uma onda de criatividade. "O impacto do iPad será equivalente à sonorização dos filmes ou à televisão ter passado a ser a cores", afirma.
Outras ambições
Os editores de jornais e revistas também estão entusiasmados com o potencial dos tablets. A sua grande esperança é que estes dispositivos lhes permitam conseguir receitas, tanto dos leitores como dos anunciantes. As pessoas já demonstraram estar dispostas a pagar o preço do jornalismo narrativo nos leitores de livros electrónicos. Mas estes aparelhos não permitem aos editores apresentarem os seus conteúdos de forma criativa e muitos não podem incluir anúncios. O Skiff, da start-up saída do grupo Hearst, é uma das raras excepções a esta regra. O seu leitor de 11,5 polegadas tem tamanho suficiente para mostrar todos os elementos da paginação de uma revista e também para incluir a publicidade.
A entrada da Apple no mercado dos tablets significa que os editores terão de desenvolver conteúdos digitais para estes dispositivos, tal como para os leitores de livros electrónicos e smart-phones. Muitos poderão não ter capacidade ou vontade de serem eles próprios a fazê-lo. Essa situação deverá impulsionar empresas como a Zinio, que desenvolveu um modelo de edição electrónica chamado Unity. Este recolhe conteúdos de publicações, adapta-os a diferentes dispositivos e armazena-os na "nuvem", o termo utilizado para descrever gigantescos conjuntos de capacidade partilhada de processamento de dados. Os utilizadores pagam uma única vez pelos conteúdos e podem aceder a eles a partir de diversos dispositivos activados pela Zinio, o que aumenta as hipóteses de virem a ser consumidos.
A Apple tem outras ambições para lá do iPad. Espera que este se torne uma máquina de jogos popular e concebeu-o de forma a permitir que muitos dos 140.000 jogos já disponíveis para outros produtos da Apple funcionem sem problemas no iPad. A empresa também refrescou a sua suite iWork, que inclui processador de texto, folha de cálculo e apresentações, para poder funcionar no iPad, numa tentativa de conseguir que a nova máquina seja atractiva para o pessoal das empresas.
Os accionistas da Apple esperam, evidentemente, que o iPad corresponda às expectativas como dispositivo inovador na história da informática. Já começaram a ver subir o preço das acções da empresa. Desafiando a recessão, a Apple anunciou, em 25 de Janeiro, os melhores resultados trimestrais dos seus 34 anos de vida, tendo as receitas aumentado para 15,7 mil milhões de dólares e os lucros para os 3,4 mil milhões - um aumento em relação ao ano anterior de 32% e 50% respectivamente. Vão continuar a fazer figas e a esperar que o iPad venha a ser mais um êxito multimilionário. Quer isso aconteça ou não, Steve Jobs já deu suficientes provas de heroísmo para merecer ter um retrato nas paredes do Centro Yerba Buena.
(c)2010 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados. Em The Economist, traduzido por Fábrica do Texto para Impresa Publishing, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com