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Cirurgia de plástico

10 janeiro 2011 10:00

Exclusivo Expresso / The Economist

Ortopedia. Um material recém-desenvolvido poderá facilitar o conserto de ossos fraturados.

10 janeiro 2011 10:00

Exclusivo Expresso / The Economist

Grande parte da medicina moderna é magia de alta tecnologia. As fraturas ósseas, no entanto, ainda são tratadas de uma forma desajeitada e antiquada, que frequentemente envolve parafusos, cavilhas e pinos. Mesmo a operação mais simples pode resultar em infeções e cura incompleta se esses dispositivos não forem colocados como deve ser. Em circunstâncias dramáticas - por exemplo, num campo de batalha, onde os cirurgiões não podem recorrer a máquinas de raios-X e não existe uma sala de operações adequada -, os requisitos são tantos que podem impossibilitar uma intervenção cirúrgica eficaz. Milhares de soldados em combate no Iraque e no Afeganistão, por exemplo, viram os seus membros amputados após ferimentos que poderiam ter sido tratados em qualquer hospital.

Foi com eles em mente que a DARPA, a agência de financiamento da investigação do ministério da Defesa dos Estados Unidos, abordou há dois anos um grupo de cientistas da Universidade do Texas, Houston. A DARPA queria algo que os médicos do exército pudessem transportar consigo numa mala e utilizar para consertar membros feridos no local, antes da amputação se tornar inevitável.

Os investigadores, liderados por Mauro Ferrari e Ennio Tasciotti (que desde então se mudaram para o Instituto de Investigação do Hospital, na mesma cidade), propuseram uma ideia que pode mudar a cirurgia ortopédica de uma vez por todas: um material que os cirurgiões podem implantar ou até mesmo injetar, que conserta rapidamente um osso fraturado e que leva à sua regeneração completa, sem necessidade de pregos e pinos.

O material em questão, produto de uma colaboração entre biólogos, engenheiros de nanotecnologia e matemáticos, tem por base uma substância química chamada fumarato de polipropileno. É ativado a 37° Celsius, a temperatura do corpo humano. Quando aplicado a um osso partido solidifica-se e funciona como uma cola, levando à junção das duas partes da fratura. Isso é necessário, como qualquer cirurgião ortopédico sabe, porque se uma falha de poucos milímetros ficar entre os fragmentos o osso nunca se curará.

Contudo, uma cola simples não seria suficiente. O material também possui pequenas esferas de silício poroso incorporadas. A sua função é dupla. Primeiro, aumentam a resistência do material (um paciente com uma perna fraturada poderá pôr-se de novo em pé uma semana após o tratamento). Em segundo lugar, ao dissolverem-se no corpo do paciente, libertam células, proteínas e medicamentos que ajudam esse organismo a criar novo tecido ósseo.

As células são as células estaminais mesenquimais - progenitoras dos osteoblastos, que compõem o tecido ósseo. As células estaminais mesenquimais são imunomoduladoras, o que significa que não serão rejeitadas pelo sistema imunológico do paciente.

Como seria impossível injetar células estaminais suficientes para completarem a tarefa sozinhas, as esferas de silício também contêm um cocktail de moléculas chamadas fatores de crescimento e citocinas que recrutam as células estaminais do próprio paciente e as põem a trabalhar no novo tecido ósseo. Os antibióticos (para evitar infeções) e os medicamentos para suprimir as dores completam o pacote.

Aperfeiçoar

A chave do sucesso, diz Tasciotti, é o timing. As células estaminais têm de chegar ao local da fratura, proliferarem e transformarem-se em osteoblastos no momento certo. Se começarem a diferenciar-se demasiado cedo, não haverá células ósseas suficientes para curar a fratura. É aqui que os matemáticos do grupo entram. Utilizando simulações de computador, encontraram a espessura ideal para as esferas de silício e o tamanho ideal para os seus poros, de modo a que as esferas se degradem e libertem o seu conteúdo ao ritmo certo. Enquanto isso acontece, o fumarato de polipropileno integra-se no corpo graças a fragmentos de proteínas chamados peptídeos localizados na sua superfície. Estes fazem com que pareça tecido humano, evitando assim a sua rejeição por parte de células do próprio paciente.

Desta forma, todo o material é gradualmente substituído por osso novo. Mais importante, diz Tasciotti, a técnica poderá oferecer estabilidade suficiente para acabar com os dispositivos de fixação externa, causa frequente de infeções.

Os investigadores estão a trabalhar no projeto há quase dois anos. Já testaram o material em ratos - aplicando-o diretamente às fraturas, recorrendo a uma esponja implantável. Funcionou, levando os roedores a utilizar de novo as pernas (fraturadas) e desencadeando a formação de novo tecido ósseo. É agora a vez das ovelhas, um desafio mais difícil porque as pernas terão de sustentar mais peso. Recentemente, a equipa transformou o composto numa pasta (Tasciotti descreve-a como "a meio caminho entre o mel e uma pasta dentífrica") que pode ser injetado com uma seringa comum. Estão a ser realizados novos testes em animais, usando esta técnica. Se forem bem sucedidos, os testes em seres humanos podem seguir-se em breve.

O trabalho de Ferrari e Tasciotti já deu origem a um spin-off. Num campo de batalha, a sua invenção não seria de grande utilidade sem uma forma de detetar a fratura e decidir onde fazer a injeção. Um membro da equipa, Raffaella Righetti, da Texas A & M Engeneering University, desenvolveu portanto um scanner portátil de ultrassons que pode dar imagens tridimensionais instantâneas de um osso. Os dispositivos de ultrassons convencionais não funcionam bem com o tecido ósseo, mas Righetti contornou o problema usando frequências ultrassónicas mais altas do que o software normal e especial que amplia as imagens destes tecidos duros. Além de acabar com os pinos e parafusos, a equipa poderá em breve eliminar igualmente a necessidade de raios-X.

(c)2010 The Economist Newspaper Limited. Todos os direitos reservados. Em The Economist, traduzido por Aida Macedo para Impresa Publishing, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com

Texto publicado na edição do Expresso de 8 de janeiro de 2011