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Bernanke: política monetária "não convencional" salvou América do pior

1 setembro 2012 6:45

Jorge Nascimento Rodrigues (www.expresso.pt)

O presidente do banco central norte-americano alinhou argumentos a favor das medidas de "alívio quantitativo" que poderão ser úteis a Mário Draghi, presidente do BCE. Esse tipo de políticas "não convencionais" limitou os estragos da recessão.

1 setembro 2012 6:45

Jorge Nascimento Rodrigues (www.expresso.pt)

"Parece-me claro, baseado nesta experiência, que tais políticas [não convencionais] podem ser eficazes e que, na sua ausência, a recessão de 2007 a 2009 teria sido mais profunda e a atual retoma seria ainda mais lenta do que atualmente está a ocorrer", afirmou Beb Bernanke, presidente da Reserva Federal norte-americana (Fed), no discurso de abertura do fórum daquele banco central em Jackson Hole, que decorre desde sexta-feira.

Os analistas esperavam "sinais" concretos do que a Fed poderá decidir na sua próxima reunião de 13 de setembro. Mas neste encontro de reflexão anual naquela estância de veraneio turístico no estado do Wyoming, Ben Bernanke resolveu alinhar os efeitos positivos da sua política anticrise e argumentar, contra os críticos, que as medidas "não convencionais" usualmente designadas por "alívio quantitativo" resultaram.

A expressão, em inglês, dá pelo nome de quantitative easing e é mais conhecida pelo seu acrónimo QE. Até à data houve dois programas desse tipo, um que começou em finais de 2008 (depois do pico da crise financeira) e se estendeu até 2010, e outro entre o final de 2010 e meados de 2011.

Cábula para Mário Draghi

A dança sobre se a Fed lança ou não um terceiro programa desse tipo - um QE 3 - vai continuar nos comentários dos analistas e a incerteza manter-se-á entre os investidores financeiros. Certamente até 13 de setembro e, segundo muitos, até depois das eleições presidenciais norte-americanas, cujo resultado é incerto.

Mas uma coisa é certa - Mário Draghi, presidente do Banco Central Europeu, suspendeu a sua ida a Jackson Hole, mas Bernanke fez-lhe um favor. Defendeu que os bancos centrais, mesmo quando já não dispõem de muita margem de manobra nas medidas convencionais de política monetária, na manipulação das taxas de juro de referência, podem e devem deitar mão de medidas "não convencionais", que têm riscos e custos, mas que são indispensáveis para lidar contra grandes recessões.

Draghi não esteve presente no fórum do seu colega e deixou o seu recado político contra os "extremos" num artigo publicado no jornal alemão Die Zeit na semana passada, a que já fizemos referência. Mas Jens Weidemann, o presidente do Bundesbank (o banco central alemão), e principal opositor do italiano no conselho de governadores do BCE, ouviu, de viva voz, o discurso de Bernanke intitulado "Política Monetária desde o começo da crise".

Os resultados macroeconómicos positivos das políticas monetárias da Fed, disse Bernanke, elevaram em cerca de 3% o produto e ajudaram a criar mais dois milhões de empregos nos Estados Unidos (ver artigo sobre este assunto).

O uso de políticas monetárias "não convencionais" durante uma grande crise financeira e económica é uma estreia histórica, recorda Bernanke. Não tem precedentes. Pelo que os banqueiros centrais estão a "aprender fazendo", diz ainda. Segundo os teóricos monetaristas, durante a Grande Depressão de 1929 a 1938, nem mesmo durante os anos de "determinação rooseveltiana", ao longo do primeiro mandato do presidente Franklin Delano Roosevelt, se enveredou pela heterodoxia.

Por isso, Bernanke, que, como académico, foi um estudioso desse período, não deixou de citar James Tobin, que sugeriu em 1965 que um programa de compras de títulos de longo prazo em larga escala (uma outra forma de falar do "alívio quantitativo") poderia ter ajudado a América a sair da Grande Depressão. Bernanke cita também um dos seus gurus, Milton Friedman, o papa do monetarismo, que argumentou em 2000 que o Banco do Japão, depois de uma década de crise, deveria ter aplicado tal tipo de medidas para debelar a deflação profunda de que ficou prisioneiro.

O próprio Bernanke, quando ainda não era presidente da Fed, falou da "determinação rooseveltiana" e aconselhou o Japão a "experimentar, a fazer, em suma, tudo o que seja necessário para colocar em marcha, de novo, o país". O que motivou a piada recente do Nobel Paul Krugman: "infelizmente, Bernanke, enquanto presidente da Reserva Federal, não seguiu o conselho do professor Bernanke [enquanto professor da Universidade de Princeton]".

Aos que exigem ainda mais da política monetária, como Krugman, o presidente da Fed recorda que esta não pode substituir-se a "uma política económica mais ampla", da responsabilidade dos governantes, e "em particular não pode neutralizar os riscos orçamentais e financeiros". O que não impede que, cada vez mais, os políticos e os analistas vejam os bancos centrais e as políticas monetárias "não convencionais" como a salvação e a única política de último recurso em campo, referiu, recentemente, William White, economista canadiano chefe do Departamento Económico da OCDE e um dos críticos das políticas dos bancos centrais durante o período da "bolha" especulativa quando era economista-chefe do Banco de Pagamentos Internacionais.

A intervenção completa de Ben Bernanke em Jackson Hole está disponível no site da Fed.

Refira-se que política monetária e política orçamental são distintas. A primeira é conduzida pelos bancos centrais que, em regra, são independentes do poder político. A segunda é conduzida pelos governos. No arsenal de políticas monetárias, os bancos centrais utilizam medidas convencionais, como a manipulação das taxas de juro de referência para empréstimos aos bancos e depósitos no banco central, e medidas "não convencionais", como o agora famoso "alívio quantitativo".